Será que quando o Renato Russo escreveu esta frase ele já antevia os
tempos atuais, ou a aceleração da fase mais tecnológica da humanidade já se
fazia sentir? Foi mais ou menos nessa época que apareceram o Cd´s, Dvd´s, e os
vinis começaram a agonizar... e pouco tempo depois surgiria a internet.
Semana passada em Brasília, eu dormi com fome e com raiva após sair de
um Show no estádio Mané Garrincha porque eu não consegui encontrar nada
aberto.... Nem bar, boteco, bodega, quiosque, churrasquinho de gato, restaurante...
NADA e então me senti meio idiota, ultrapassado, tiozão e faminto!?.
Injuriado, perguntei a um motorista-Uber onde poderia comer qualquer coisa e ele me disse que a única coisa aberta naquela hora seria o Restaurante Coco-Bambu -que aliás pertence a um apoiador da plataforma boçalnarista diga-se-, numa região nobre lá nos quintos dos infernos.
Revoltado eu disse; não é possível que não exista alguma birosca nessa cidade grande e capital do país e ele disse que esse tipo de comércio aberto àquela hora, só existia no mundo real na periferia, onde tem uns pagodes e tal que seria nas cidades satélites, mas como eu não iria viajar 30 km, só para comer um misto quente, voltei para o hotel resignado a mastigar uma barra de cereal e dormir, mas chegando lá, notei que havia dezenas de pessoas de todo lugar do norte e centro-oeste do país igualmente recém saídos do Show e com o mesmo problema ali no saguão do hotel, mas todos após ouvir a recepcionista, simples e naturalmente sacavam seus celulares e rapidamente as mais variadas comidas se materializavam, trazidas por escravos modernos também chamados "empreendedores", ofegantes e exaustos em suas bicicletas financiadas.
Eu sempre fui contra esses aplicativos porque acho uma maldade aqueles milhares de ciclistas entregando comida que eles mesmos jamais comerão bla, bla, bla...
Ao mesmo tempo em que estava faminto, eu também não queria apenas comer solitariamente num quarto de hotel, comida de caixinha e talheres de plástico. Eu queria sentar e comer e tomar uma cerveja numa mesa compartilhando aqueles momentos do show, comer, celebrar..., mas isso é coisa de gente antiga, como eu viria a descobrir nos minutos seguintes vendo as novas gerações comendo naturalmente, enquanto apertam mil botões e olhos fixos nas telas onde a vida agora acontece...
Também, como moro no centro de São Paulo há muitos anos e no mesmo prédio que moro tem uma adega 24hs, na esquina tem um bar/restaurante igualmente 24 horas, além de outras dezenas de lanchonetes 24hs, num raio de 500 metros, eu sempre pude boicotar alegremente esses aplicativos, e acabei esquecendo de que, nem sempre todas as ocasiões da vida se dão em ambiente controlado como quando viajamos, por exemplo...
Foi então que ali naquela hora, senti na pele o quanto a minha recusa etariana (e inconsciente?) em admitir o “futuro” e as inovações tecnológicas é uma coisa estúpida, infrutífera e irracional! A resistência ao novo e à velocidade que as mudanças estão trazendo, simplesmente nos atropela, e pensar que podemos contornar essa avalanche é o auto-engano mais comum, imbecil e caro para muitos da minha geração e virtualmente para mim mesmo que nem sou tão tecnofóbico assim, mas vez por outra, sou atrasado na interpretação da realidade e na adesão às novidades que muitas vezes nem são tão novidades mais (risos!). A sorte é que convivo com muitas pessoas da geração digital e tenho ocasionalmente chances de observar o modus vivendi deles. Não fosse por isso, eu estaria ainda pior, ou como diria minha sobrinha correndo nas savanas atrás de um Cervo.
Essa resistência às velozes mudanças tecnológicas segundo pesquisa datafolha, atinge especialmente os nascidos antes de 1980 e então lembrei que no início do século XX quando começaram a surgir os automóveis em grande escala, os charreteiros, partiram para cima dos carros e foi o maior quebra pau em vários lugares mundo a fora, inclusive na estação da luz, que era a porta de chegada e saída de São Paulo. Ironicamente algumas décadas mais tarde quando apareceu o Uber foi a mesma coisa com os taxistas quando aconteceram novas escaramuças e antes, quando surgiu a Tevê, diziam que aquela caixinha ridícula, nunca desbancaria o rádio que a todos encantava. Quando apareceu o WhatsApp as empresas de telefonia se insurgiram contra, numa tentativa de manter o monopólio, salvar o telefone fixo, mas de nada adiantou também.
Como se sabe o futuro se impôs rápido e esmagadoramente em todos os casos.
Agora mesmo, em grandes cidades pelo mundo afora, os carros de aplicativos já não tem mais motoristas, a comida é entregue por drones, assim como sangue para transfusão, órgãos para transplante e, até um singelo pote de sorvete para a larica, cruza os céus até seu destino conforme comandos cibernéticos que os Apps determinam. Atualmente, um cirurgião cardíaco da universidade de Colúmbia-USA, já opera pacientes em um hospital moderno em São Paulo por meio de um aplicativo robótico 5G, ao mesmo tempo em que ainda há pessoas -como eu-, achando que podem resistir às inovações, quando na verdade seremos tão somente e prosaicamente atropeladas pelas inovações porque o futuro não é mais mesmo como era antigamente.
Simplesmente não dá mais para viajar, se divertir, embarcar no avião, sem o Qr code no celular, ver a previsão do tempo, tomar trem, ônibus, comprar passagem, ver o roteiro seguro na viagem, olhar o cardápio no bar ou restaurante etc e etc..., . Não se consegue nem entrar num show ou marcar uma consulta médica sem um decente e onipresente celular. NADA!
Claro que as corporações ainda mantém um diminuto grupo de atendentes telefônicos para resolver a vida das pessoas tecnofóbicas, e/ou idosas e resistentes a compreender o futuro e a velocidade das inovações, mas cada dia está se tornando mais difícil com a implantação dos atendentes robotizados e em pouco tempo esse suporte telefônico desaparecerá de vez e aí de quem não tiver um sobrinho(a) ou neto(a) para socorrer.
Enfim, são tantas coisas que são lógicas e naturalmente incorporadas pelas gerações digitais e tão doloridas para a minha, (analógica), que a lista está ficando cada vez mais longa e quanto mais resistimos mais complicado fica.
Durante a pandemia por exemplo, me senti um fóssil vivo ao saber que eu era o único habitante do planeta que ainda não tinha um “dongle,” e ainda não tenho, mas juro que vou me presentear com um Fire Stick neste natal. Acho que foi durante o confinamento que fiquei sabendo dos dispositivos “dongle” vendo uma live da Paula Lavigne conversando com Caetano veloso que é 20 anos mais velho que eu, mas é atualizadíssimo pelo jeito e comentando com amigos, fiquei com a sensação de que quase todos já tinham, menos eu.
Também ainda não assino muitas plataformas de streaming etc rs... Sou resistência e procuro outros caminhos, mas já começo a ser olhado como tiozão-teimoso pelas gerações digitais e, sei que em algum momento próximo será inevitável aderir, se quiser continuar vendo filmes que desejo ver, pois está virando um serviço básico como conta de luz, agua... Além disso -pasmem-, mas ainda não tenho Kindle e sim, ainda leio livros de papel.
Algum tempo atrás, um amigo querido que mora no interior veio me visitar e no dia de ir embora para o aeroporto de madrugada, levantei fiz um café e ele pediu para eu chamar um taxi e achei que ele estivesse brincando, mas não, era verdade mesmo. Preocupado, sugeri que o melhor a fazer àquela hora era chamar um carro de aplicativo porque eu não fazia ideia de onde poderia haver um taxi, ao que ele respondeu com certo orgulho que não tinha “esses aplicativos” e então tive que chamar e consequentemente pagar um Uber para ele emergencialmente, para evitar que perdesse o voo, sem falar que ele também não tinha o QR code de embarque no celular e tive que imprimir o dinossáurico cartão de embarque em papel para ele na noite anterior, porque ele tinha perdido o que o filho havia impresso e entregue a ele.
Na visita do ano seguinte, ele veio de carro e reclamou que ficou horas num congestionamento na zona oeste porque estavam recapeando as vias principais da região e ele também não tinha Apps de trânsito e se lascou todinho.
Da mesma forma, assim como ele, eu também não estava habilitado para o futuro na noite trágica e famélica em Brasília após o show do Paul MacCartney em que recusei baixar o Ifood e saí procurando um “lugar” até aprender que brigar com o futuro é uma burrice sem fim.
Assim, toda vez que algum humano for visto por aí falando que precisa ir ao banco ou perguntando como se chega em determinado endereço ou que condução ele deve pegar para ir para tal lugar... pode ter certeza de que se trata de um viajante temporal que veio da idade média, ou um resistente atemporal combatendo contra o futuro, tal a infinidade de aplicativos de navegação gratuitos e usados largamente que informam até a hora que o ônibus chegará ao ponto, etc.
Um outro vacilo do tipo resistência etária e estúpida às
inovações foi não ter migrado os cartões e documentos para o Celular, pois
recentemente, meu cartão foi clonado por uma maquininha onde fiz algum
pagamento, e sacaram 500,00 da minha conta e só não rasparam tudo, porque tenho
um limite de saque na madrugada. Se eu não
fosse tão lento e jurássico, e já estivesse usando a função NFC do Celular nada
disso teria acontecido porque o acesso depende do face Id e toda vez que for
usar ou pagar alguma coisa ele gera um novo número virtual que só vale para uma
transação e assim fica impossível fraudar e desta forma também fica sendo desnecessário
carregar carteira com cartões e documentos, etc.… porque está tudo no aplicativo carteira.
Por algum tempo ainda haverá empresas fabricando coisas extemporâneas como o tal celular minimalista -que não serve pra nada-, para idosos/resistentes e também para os tecnofóbicos, com aquela a conversa mole pra boi dormir de que os aplicativos estão enlouquecendo as pessoas, mas é só oportunismo mercadológico e para faturar e vender um produto natimorto para os membros da resistência (ao futuro), assim como os devotos do radio que eram contra a tevê, que era associada a satanás, pois há ainda muito mercado para a tecnofobia que está em alta em alguns segmentos, como aquele povo que não entendeu até hoje que os mensageiros instantâneos (tipo o whatsApp), substituiu as antigas ligações telefônicas, e demoram uma vida inteira para responder e agora celebram o celular minimalista nas conversa de botequim, mas muitas vezes tem um aparelho de ultima geração no bolso para falar com o(a) amante.
Claro que sempre teremos a opção do isolamento/alienação completa, mas é coisa radical e para poucos. Por ora, o certo é que viver com um pé na era digital e outro nas cavernas de Guadix, esta ficando cada dia mais difíci.
Como o poeta Belchior antecipou na canção “como nossos pais”, o novo sempre vem♬...
Então, o fato do “futuro” ainda não ter chegado e/ou e nos atropelado onde quer que a gente viva, não significa que será possível driblá-lo por muito mais tempo. No máximo se poderá adiar o choque que sobrevirá inevitavelmente em situação e lugares inesperados, como ficar em engarrafamentos, levar multas, dormir com fome, não encontrar o ônibus certo, passagem aérea barata, ou então incomodar as novas gerações para resolver as coisas simples como , olhar o cardápio no bar, tirar documentos, passaporte, etc, porque agora "o futuro não é mais (tão lento) como era antigamente".
E.T: depois que escrevi isso, já baixei o Ifood, o ViajaNet, ja ativei o NFC no Celular e adquiri um Fire Stick. Ufa! Logo, logo eu chego no Kindle.