segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A "pacificação" do Rio

Muito se falou sobre a ocupação espetacular de favelas da zona norte do Rio que tem aspectos inegavelmente positivos, mas tráta-se da apenas do elo mais fraco da cadeia do tráfico e o que mais rapidamente se renova com fartos recursos humanos á disposição conforme explicou a Juiza Kenarik Boujikian Felippe. Afinal o que será que está por trás da sustentaçao de um mercado negro que movimenta mundialmente um PIB de cem bilhõesde dólares!? Mas o que me chamou atenção desta vez, foi o descaso geral com os mais de quarenta defuntos produzidos pela operaçao, como se as vidas perdidas alí não tivessem direitos, valor, ou importância. Também notei entre as mentes ilustradas, amigos, pessoas comuns enfim, que pensam que o estado pode usar os mesmos métodos dos bandidos. Incrível, mas não sabem a diferença entre legalidade e ilegalidade, justiça e vingança. Direitos civís então é uma abstração... Preocupante essa ignorância incrustrada e alimentada pela TV.
Para não dizer que todos se calaram, o Fernado de Barros e Silva escreveu na Folha de ao Paulo:

A SORTE DOS POBRES

Fernando de Barros e Siva

"Esse silêncio seria inadmissível se os mortos fossem moradores ricos de Ipanema, mas, como é gente pobre, vale tudo".
A professora da Vila Cruzeiro se refere ao silêncio das autoridades e dos órgãos públicos do Rio a respeito da identificação e do paradeiro dos que morreram (supostamente) em confronto com a polícia na megaoperação contra o tráfico.
São, segundo a PM, 37 cadáveres desde o último dia 21, na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. Para a Secretaria de Segurança Pública, porém, morreram 18 pessoas, uma delas ainda não (ou nunca mais) identificada. A secretaria só reconhece os mortos a partir do dia 25 e afirma que nem o IML tem dados sobre as vítimas entre os dias 21 e 24. Quem precisa de Kafka diante de um Estado como esse?
As jornalistas Laura Capriglione e Marlene Bergamo explicam, na reportagem "Onde estão os mortos?", na Folha de ontem, que a contabilidade de araque serve, na prática, para evitar a menção à morte de pessoas inocentes. Como a estudante de 14 anos, morta dentro de casa, na frente do computador, por um tiro nas costas.
O IML, além disso, não dá nenhuma informação sobre as circunstâncias das mortes a partir do dia 25. Houve execuções? Sabemos apenas, pela relação do jornal, que 15 das 18 vítimas eram negros ou pardos. Todos eram homens e só três tinham mais de 30 anos.
O corpo do mais novo, de 17 anos, ficou exposto a céu aberto por dois dias, ao lado de um campinho. Já havia sido dilacerado por porcos quando foi recolhido por familiares e levado ao IML. Nem a polícia nem o serviço funerário se prestaram à tarefa. Kafka? Ora, ora...
No clima que se criou, esses episódios não devem figurar nem como nota de rodapé nos relatos da "batalha do Alemão". Mas eles nos ensinam, muito mais que a narrativa apoteótica da guerra, sobre o que ainda há de descompromisso, arbitrariedade e humilhação na relação do Estado com os pobres.