Nasci aqui nesse pedaço de cerrado e brinquei a infância toda e parte da adolescência nesse lugar que agora é um parque ecológico e antes era apenas nosso quintal. Minha mãe mora aqui ainda aqui na mesma casa e da vizinhança toda num raio de uns quinhentos metros restam apenas duas famílias daquela época.
Vive ainda nos seus últimos suspiros um ser que é parte da minha vida que é um pé de Jatobá que despontava imponente e frondoso em cuja sombra e galhos eu brincava e que era meu confidente e amigo fiel a quem eu considerava muito e atribuía propriedades anímicas, grande sabedoria e conhecimento desde que meu pai e meu avô contavam que quando nasceram ele já estava ali impassível e exuberante se destacando entre os angicos, maminhas-cadela, barbatimões e seus trinetos jatobás em crescimento lento, mas inexorável.
Hoje ele está velho e decadente sendo devorado por cupins, fungos, com poucos galhos, declinante e sufocado por outra arvores e como não há manutenção no parque, em breve deverá desaparecer rodeado que está de sua exitosa descendência.
Sempre que venho aqui dou uma olhada nele e vejo que ele nem era tão gigante como parecia na infância e receio que levará muitos segredos em breve; Eu adorava comer o fruto do jatobá que é bonito, saboroso, nutritivo mas que tem um cheiro insuportavelmente fedorento para a maior parte das pessoas. Sempre que meu pai sentia aquele cheiro na minha boca, me castigava vigorosamente e me reiterava a proibição de comer "aquilo" e eu no meu íntimo mesmo na meninice, achava ridículo e injusto... comigo e com o Jatobá.
Há um provérbio chinês que diz que “não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz ou infeliz” e toda vez que desobedeço e volto aqui sou acossado por mil demônios recônditos que ficam a maior parte do ano desacordados.
Desconfio mesmo que os Jatobás se comunicam e têm parte nisso... Sinto que ele se ressente da minha traição, quando desapareci daqui numa madrugada de janeiro de 1978 sem me despedir e nunca mais voltei.
Ontem lhe pedi desculpas e tentei me justificar explicando sobre a idiotia e egoísmo da passagem para a vida adulta e outras ruindades que vamos adquirindo conforme vamos nos distanciando da infância, comparando com os pleógafos que vão aderindo à sua casca assim como as vicissitudes da vida blá, blá,blá... e que nunca o esqueci nem o substitui pelas sequoias, abetos, jequitibás, angelins de outras paragens..., e de repente, percebi que ele já não ouve mais direito, mas murmurou qualquer coisa sobre o passar do tempo, que não entendi bem..., voltou a cochilar e mais, não falou.