segunda-feira, 21 de março de 2011

Obama no Brasil

A melhor tirada sobre a fala do presidente Barack Obama no Rio foi do Jânio de Freitas que a chamou de "discurso de churrascaria”, mas a melhor análise sobre a vinda do presidente americano ao Brasil foi do Vinicius Torres na Folha de domingo:


CHICLETE COM OBAMA

Vinicius Torres Freire

A QUESTÃO das "relações bilaterais" entre EUA e Brasil ainda parece muito com a da pauta estabelecida por Gordurinha e Almira Castilho em "Chiclete com Banana" nos idos de 1959, cantada pelo embaixador do forró, Jackson do Pandeiro.
Espécie de manifesto geopolítico, canção de protesto "avant la lettre", tapa na Bossa Nova e crítica antecipada ao Tropicalismo "entreguista", "Chiclete com Banana" dizia: "Eu só ponho bebop/ No meu samba/ Quando Tio Sam tocar o tamborim". Seguindo um princípio básico da diplomacia, o da reciprocidade, Gordurinha e Almira ofereciam um mix de chiclete com banana, de samba com rock, "mas em compensação" queriam ver um "boogie-woogie de pandeiro e violão".
O que os EUA têm a oferecer? O que queremos? Os governos petistas querem apoio para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, ambição duvidosa que, satisfeita, deve render mais dor de cabeça e conflito do que vantagem real.
Barack Obama veio ao Brasil fazer relações públicas, "discursos históricos" e vender umas coisas. Bom que a gente converse, bom para nós e o mundo que Obama seja um tipo amistoso e "cool" etc. E daí?
As relações econômicas entre Brasil e EUA são determinadas por realidades bem mesquinhas. Nada será diferente se a "diplomacia presidencial" for apenas algo mais calorosa. Quede planos?
Claro que os EUA já foram mais relevantes e intrometidos. Por exemplo, quando deram uma força meio fraca à industrialização, em meados do século 20. Quando vieram com a "modernização" da Aliança para o Progresso, nos anos 1960, que distribuiu umas latas de leite, fez propaganda anticomunista, financiou a subversão da Constituição brasileira e ajudou empresas americanas. Ou quando mandou uma frota para auxiliar os golpistas de 1964, "just in case".
Agora, os americanos querem mercado para sua indústria, que aos poucos migra para a China e arredores. Querem que ajudemos num tico a evitar a desindustrialização deles. O que vamos ganhar?
Querem um ponto de abastecimento de petróleo mais confiável. Mas mesmo que o pré-sal seja um sucesso, seremos fornecedores menores. Ainda que fôssemos maiores, em termos políticos isso talvez seja mais um risco do que uma vantagem. Basta ver as intervenções americanas nos países petrolíferos.
A conversa sobre livre comércio morreu desde a desastrosa e inaceitável negociação da Alca em 2002. Foi quando o "sub do sub", o ministro da negociação comercial dos EUA, Robert Zoellick, disse que o Brasil teria de fazer comércio na Antártida se rejeitasse a Alca. Desde então, os EUA nada fizeram para retomar o diálogo de forma menos extorsiva e estúpida que a de Zoellick.
Na OMC, os EUA fazem de tudo para burlar decisões pró-Brasil. Obama pode fazer quase nada sobre o protecionismo agrícola, decidido em barganhas no Congresso, como no caso do etanol, barrado no baile de subsídios americanos. Por falar em etanol, aliás, se o plano de energia limpa de Obama decolar, nossos biocombustíveis terão sérios problemas. Os EUA querem ainda aliados para detonar a bárbara política comercial chinesa. Como em parte isso nos interessa também, ok. Mas os chineses não dão a mínima.
Então, a que veio Obama?

Fonte: Folha de São Paulo