quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Ah, o natal...!

 


Bernard Shaw, o brilhante dramaturgo e frasista irlandês, disse certa vez que o melhor lugar para passar o Natal era um longínquo país oriental no qual a data não fosse comemorada. Concordo com ele e vou além porque fico raivoso com o povaréu me abalroando e  movendo-se bovinamente nas ruas, supermercados e shoppings estupidamente sem nem ao menos saber porque e transformando tarefas simples como ato de entrar num supermercado para apanhar nossa cerveja de cada dia num verdadeiro inferno. O Trânsito então nem se fala. Aquelas luzinhas chinesas cafonas até mais não poder, o chato do papai noel e a famigerada árvore de natal... Uma coisa sem sentido algum!? E o que dizer da histeria geral e comercial? Afff! 
Bem, em princípio não tenho nada contra festas, mas tenho tudo contra a babaquice e a HISTERIA geral por causa do Natal e ano novo e seu zero-significado.  O mais enervante de tudo é  aquele contaminante estado de anti-climax de que vai acontecer algo grandiloquente e o desespero para comprar lixo e comidas horrorosas como chester, tender, peru, etc. Hoje mesmo, fui comprar um barbeador e peguei um fila de uns dez metros no caixa com aquela musiquinha intragável de fundo e todo mundo com o carrinho lotado de espumante vagabundo, panetone ordinário, uma alegria postiça contrabandeada sabe-se lá de onde e os inexpugnáveis rojões que já começam a estourar anunciando que "grande momento" se aproxima (danem-se os animais de estimação).
Segundo um estudo ("Scroogenomics- Why You Shouldn't Buy Presents for the Holidays") da famosa escola de administração da Universidade da Pensilvânia, Para quem os recebe, nossos presentes valem apenas 53% ou seja 47% gasto com presentes são dinheiro jogado no lixo. O Psicalista Contardo Calligaris analisando o estudo, levanta questões interessantes:


... Por que oferecemos presentes de natal? Resposta óbvia: para produzir a maior satisfação possível no presenteado, para fazê-lo feliz. Talvez, mas vamos devagar. Por exemplo, é bem possível que a troca natalina de presentes seja sobre tudo um gigantesco "potlatch", como dizem os antropólogos, ou seja, uma maneira de torrarmos festivamente nossos recursos (dinheiro, bens e tempo) só para manifestar nossa riqueza (grande ou pequena) aos outros, ao céu e a nós mesmos. Além disso, cada um presenteia amigos e inimigos por razões que pouco têm a ver com a intenção de fazer o outro feliz. Há presentes pedagógicos e paternalistas (ofereço um vale-livros ao primo que não gosta de ler e uma camiseta P ao maridão que virou um boto), assim como há presentes que servem só para cumprir o protocolo ou para intimidar os presenteados (no estilo: "Este, meu caro, você nunca vai poder retribuir".)

... Quando alguém que amo (e que me ama) me oferece um presente, não espero receber aquele objeto que quero e procuro há tempo -claro, vou gostar de receber isso, e vai ser uma festa, mas, cá entre nós, esse tipo de coisa posso encontrar e comprar sozinho. De quem me ama, espero muito mais: espero receber algo que, até então, literalmente, eu não sabia que eu queria.
O verdadeiro presente é aquele que me revela meu próprio desejo.
 ...(continua
Publicado originalmente no Diário da Manhã em 24/12/2011 e de lá pra cá só piorou