Nesses dias de Covid-19 tem sido inevitável pensar na morte e no
que se fez da vida... e aqui na solidão desse apartamento não avarandado onde
só enxergo paredes, fiquei pensando em tudo que armazeno aqui e que para além
de serem meus bens posicionais, são as coisas que juntei pela vida a fora... e
fiquei pensando se eu morresse hoje o que seria disso tudo e será que alguém iria aproveitar “meus
tesouros...”?
Será que alguém iria ver o que tem nos meus Hd´s ou
simplesmente formatariam para dar novo uso? E aquele resfriador de nitrogênio
para processadores ultrarápidos? Alguém saberia do que se trata ou colocaria
no lixo como sucata? E os discos, livros que são parte de mim, fotografias que são fiapos de vida que me conectam com diversas significações, assim como meus filmes eróticos, anotações, revistas, cartas (sim sou desse tempo), escritos variados e por aí vai!? Que fim teriam? O que é a vida e o que realmente vale? E a aquela minha caixa que tem todos os tipos de cabos e conexões, conversores, placas, adaptadores, ferramentas, memórias, coolers, multímetros, fontes e tudo que é coisa que eu talvez possa precisar numa madrugada insone caso alguma coisa quebre ou colapse? E o que seria da minha incrível caixa de remédios salvadora que o Miró uma vez apelidou de caixa mágica? Redes sociais sem senhas, contas bancárias, roupas, chocolates e outras guloseimas escondidas de mim mesmo, planos para o futuro, pensamentos obscuros, coisa por fazer, garrafas por terminar como aquele Hennessy escondido na gavetas de cuecas!? E aquele plano de ir numa casa de swing sempre adiado? Só agora notei como a morte é desrespeitosa! Não tem um pingo de consideração...!? ...e nem fiz a transiberiana ainda, pô!
Olhei para para o lado e a Tv não para de falar dos até então invisíveis 30 milhões de pessoas esquecidas em habitações
precárias sem agua e esgoto que juntamente com as centenas e milhares de pessoas que vivem nas
ruas.. e que agora poderão contaminar e matar os
bem-nascidos ou quem sabe até ocupar leitos hospitalares salvadores que poderiam ser destinados a gente de bem(?). Pensei na ironia e na tal lei do retorno ao ouvir isso. Subitamente descobrimos agora que eles existem e passaram a ser objeto de
preocupação geral, quem diria!?
Nessas paranoias e divagações senti uns calafrios de
imaginar que caso aconteça algo comigo e resolvam me enterrar Brrrr...! Tenho
pavor disso (tenho falta de ar). Preferiria ser cremado e poderiam distribuir minhas cinzas em quatro lugares: 1- Edifício Copan, 2- o número 102
da Rua Sergipe em Higienópolis, 3-numa praia do litoral norte que pode ser
Bonete, praia do alto, Mococa, Felix, e 4- no pé de jatobá a poucos metros da casa onde
nasci e cresci e por favor não permitam que nenhum familiar ou amigo pietista
promova arenga religiosa e nem choradeira pois tenho vivido uma vida boa
-depois que me afastei de religião-, até aqui. Prefiro celebração, música boa,
alegria, fotos, boas lembranças, muita caipirinha e torresmo.
Deitado olhando para o teto no modo retrospectiva eu não acho que mudei muito ao longo da vida... fui apenas
sublinhando e negritando o meu sentido de existência sem nunca dar nenhum
cavalo de pau e virar outra pessoa como um amigo mais velho da adolescência que
me mostrou Pink Floyd, Gênesis, etc e me deu um livro do psicanalista Erick From e
outro do Sartre e que foram a centelha para eu me descobrir, quando eu ainda
tinha uns 15 anos e sem saber quem eu era direito... Bom, esse cabra eu reencontrei uns 20 anos depois
acidentalmente e a primeira frase que ele falou não foi olá como tem passado, nem algo do tipo sabe, ele simplesmente como todo fundamentalista descerebrado atirou a queima roupa; “Como está sua vida com
Deus?” e eu fiquei paralisado sem saber se era uma piada, mas logo percebi que
não. O cara tinha virado um intrépido religioso e bolsomínion para minha
estupefação. Sem assunto, indaguei sobre sua antiga discoteca com Lp´s
progressivos dos anos 70 e ele mudou de assunto e depois eu soube que ele havia
quebrado todos numa época que se acreditava que tocados de trás pra frente, os
discos de rock conteriam mensagens satânicas segundo a crença patética, com perdão do pleonasmo.
Como é de conhecimento geral Tenho verdadeiro horror à religião (inclusive as que disfarçam/negam que são religiões), a partir da minha
vivência e do que ainda hoje vejo ao meu redor a todo instante, mas não faço mais disso um cavalo de batalha, nem
perdi minha espiritualidade no sentido de acreditar em uma possibilidade de
transcendência, mas sem aderir a nenhum credo disponível nas prateleiras dos hipermercados
da fé. É mais uma espécie de reverência aos mistérios insondáveis da vida e
seus porquês. Diferentemente do que preconiza o Dawkins e de certa forma também o Christopher Hitchens, modestamente reconheço que há mistérios.
Até vejo poesia e coisas pontuais interessantes e bacana
nos livros religiosos como a Bíblia que é como outro livro qualquer que fica na prateleira
de livros, e claro como todo ocidental me simpatizo mais com ela do que com
os escritos corânicos, budistas, hinduistas etc. Tenho
muita simpatia pela parte do Jesus histórico, mas verdadeira ojeriza de seus
explicadores calvinistas e quejandos. Já aquela parte abraâmica eu não curto
muito não. Há também outros quase seis mil mitos de criação mais -digamos-, divertidos por aí e assim não vejo porque esse monoteismo todo muito chato e exclusivista e que malucos por toda lugar teimam em levar a sério.
Falando nisso, o que tenho visto de conhecidos/amigos cristãos migrando para
o Budismo ultimamente é uma enormidade e eu brinco com eles que só trocaram de
droga, mas o vício permanece... Aliás no budismo parecem que ficaram ainda muito mais
cegos e fanáticos... Não entendo! Converso muito com eles e me parece uma coisa assim bem amalucada e ainda estou por entender o motivo dessa reconversão e suspeito que o budismo por não trabalhar com a "culpa" ele entrega mais por menos. um melhor custo/benefício talvez. Ainda vejo o taoísmo com mais interesse para assuntos de boteco.
Toda religião claro, é nociva ao desenvolvimento
humano sem dúvida, mas mais chato que religião só mesmo seus seguidores com destaque para os religiosos cristãos
e seus argumentos malabares que podem ir de Karl Barth até Malafaia rs,rs,rs... dependendo da necessidade que é o que define o sofisticação do verniz a ser aplicado sob a pintura. Dia
desses por exemplo, me chegou um texto tão rebuscado e tão erudito para me reconvencer da fé
cristã, que logo ví que me superestimaram, afinal não sou um conhecedor profundo do pensamento de Kant,
Kierkegaard, Wittgenstein, Paul Tillich etc, e sem isso ficaria muito difícil a compreensão e alcance da mensagem, dadas as idiossincrasias envolvidas para aceitação da proposta redentora que culminaria com a assumpção de uma tonelada de culpa e claro, o pagamento em energia, medo do inferno e também o dízimo, porque ninguém é de ferro. Neste ponto aliás, o bispo Edir Macedo e seus rivais tem sido bem mais
bem-sucedidos porque não gastam tempo com firulas, mas essa já é outra conversa
que ficaria melhor e mais produtiva com a presença de Bertrand Russell e algumas camisas de força, quem sabe!?
Atribuo sem dúvida alguma à religião todas as
desgraças da humanidade ao longo da história e que continua ainda hoje. Não me animo de jeito nenhum com
aquela conversinha conciliadora (para boi dormir), de sumidades como Marcelo
Gleiser passando pano para a religião, dizendo que houveram contribuições...
variadas como monges que manipularam ervilhas e deram origem a genética ou
porque a religião nos deu Michelangelo bla, bla, bla...! No final das contas, se com
religião e seus horrores a humanidade conseguiu tantos avanços, imagine sem ela?
Provavelmente já teríamos colonizado encéladus e vencido a morte ou pelo menos adiado em muito.
Tento aproveitar a dádiva da vida como posso e se
possível avançar um tiquinho e superar limitações com a ajuda da psicanálise, a arte e sobretudo à ciência a quem aliás credito todos os avanços da humanidade desde que descemos das arvores
no pleistoceno há três milhões de anos.
Assim pensando me veio aqui dos meus botões um pensamento que pode advir disso tudo, um certo pânico que sempre tenho de
voltar à cidade natal (Jataí), cidade onde nasci e vivi até os 17 e remexer nas
gavetas da memória e encontrar com meus demônios adormecidos que sempre acordam enfurecidos e também de falar
com pessoas do passado ou gente que aparece como fantasmas pretéritos com aquela prosa ruim, pegajosa típicas de figuras tenebrosas e inquisitoriais que paralisaram no tempo, mas ironicamente são também susceptíveis ao novo corona vírus, embora se julguem protegidas e cujas mortes sempre ganham manchetes por paradoxais.
Nestes dias é quase impossível não lembrar do filme "O sacrifício" de Tarkovsky com aquele clima apreensivo de merda, espera, medo, fatalismo, impotência e raiva sobretudo.
Bem, acho que está na hora de dar uma atenção para o zé, que não para de miar, abrir um vinho e ler alguma coisa leve como "Variações sobre a vida e a morte" (Rubem Alves) para acalmar o espírito, ao som de Layle Mays, Toninho Horta... e esperar que essa peste não me leve e nem leve ninguém querido ou distante o que parece difícil, dada às circunstâncias locais Boçalnáricas e mundiais que nos legaram essa praga anunciada e prevista pelos microbiologistas que nunca foram ouvidos pelo Capital.
Nestes dias é quase impossível não lembrar do filme "O sacrifício" de Tarkovsky com aquele clima apreensivo de merda, espera, medo, fatalismo, impotência e raiva sobretudo.
Bem, acho que está na hora de dar uma atenção para o zé, que não para de miar, abrir um vinho e ler alguma coisa leve como "Variações sobre a vida e a morte" (Rubem Alves) para acalmar o espírito, ao som de Layle Mays, Toninho Horta... e esperar que essa peste não me leve e nem leve ninguém querido ou distante o que parece difícil, dada às circunstâncias locais Boçalnáricas e mundiais que nos legaram essa praga anunciada e prevista pelos microbiologistas que nunca foram ouvidos pelo Capital.