O evangelicalismo de conveniência e a asnice,
correram às redes para jorrar ignorância, má fé e estupidez sobre o conflito
israelo-palestino, com o expediente batido de intepretação des-contextualizada
do velho testamento para justificar o terrorismo praticado pelos israelenses há décadas contra o povo palestino.
Não se trata de defender nenhum dos lados nesse horror, mas um mínimo de atenção aos fatos históricos, e senso do ridículo cairia bem.
O show de
desconhecimento histórico e ranço religioso começou com o famoso pastor André Valadão da Igreja Batista da Lagoinha, citado pela imprensa em vários
escândalos e bolsonarista de carteirinha, referindo-se ao Livro de Josué e a
forçada interpretação sob medida e descontextualizada para afirmar que a terra
onde os palestinos vivem há milhares de anos, pertencem ao “povo de Deus”, seja
lá o que isso quer dizer e que deus seria esse.
Na sequência, outra
radical, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), conhecida prócer do
evangelicalismo nacional, se disse "em lágrimas", pediu paz e
declarou: "Ó, Israel, como te amo!"
Segundo artigo
da Anna Virginia Balloussier na folha de São Paulo, “a bem da verdade, por muitos séculos,
protestantes —precursores do pentecostalismo que hoje domina essa parcela
cristã no Brasil— não deram muita bola para Jerusalém. A cidade disputada por
palestinos e israelenses tinha mais capital simbólico para judeus, católicos e
muçulmanos, como lembrou o pastor Valdinei Ferreira, líder da Primeira Igreja
Presbiteriana Independente de São Paulo.
O que mudou então? A partir do século 20, começaram
a popularização das teologias que passaram a interpretar de modo
convenientemente literal as profecias bíblicas que envolvem o Apocalipse e a
volta de Jesus.
Fatos modernos, como a criação do Estado de Israel,
em 1948, após o empenho nazista em exterminar a comunidade judaica, são lidos a
partir dessa lente profética. Grupos evangélicos acreditam no retorno de Jesus
à Terra para comandar o Juízo Final. E as profecias apontariam que o
renascimento de Israel, ou seja, o Estado que surge após o Holocausto, seria
contemporâneo a uma nova vinda do filho de Deus.
Claro que o projeto de salvação implicaria na
conversão de judeus ao cristianismo, mas esses, não dão a mínima para o cristianismo,
mas isso é só um detalhe.
O livro de Apocalipse fala ainda dos "144 mil
selados de todas as tribos de Israel", que contemplariam os verdadeiros
adoradores de Deus, com vaga garantida no céu. "Mas cremos que judeus
podem ser salvos o tempo todo", diz o apóstolo Estevam Hernandes, fundador da Renascer
em Cristo, igreja que adota artefatos judaicos como a mezuzá. Bastaria ceder
neste caso, ao que cristãos entendem como verdadeiro Senhor.
A ênfase no simbolismo judaico não se restringe à
Renascer. A Igreja Universal do Reino de Deus chegou a erguer sua própria
réplica do Templo de Salomão, do filho de Davi, o maior rei de Israel, com
Bate-Seba, conforme a narrativa bíblica. A inauguração, em 2014, contou com o
bispo Edir Macedo em trajes típicos do
rabinato: quipá, talit (o xale de orações) e uma farta barba branca, tal qual
um profeta.
No mesmo ano, em entrevista à Federação Israelita
do Rio de Janeiro, o pastor Silas Malafaia deu seu pitaco: "Para
nós, o Deus de Israel é o nosso Deus. Não tem nenhuma absolutíssima
diferença".
Nos últimos anos, a defesa evangélica a Israel
ganhou contornos políticos mais salientes, com pressões para a mudança da
embaixada dos países de Tel Aviv para Jerusalém. Em 2017, o então presidente
dos EUA, Donald Trump, assim determinou, e o
embaixador americano até hoje fica em Jerusalém, assim como o de um punhado de
nações de menor expressão, como Guatemala e Honduras. Bolsonaro bem que tentou seguir os
passos de Trump, mas o plano não foi adiante no Brasil.
Tamanho é o apelo de Israel entre evangélicos que
pululam agências de viagem com pacotes específicos para esse turista cristão,
da Caravana Selados com Espírito de Deus ao Cruzeiro Gospel.”
Outro
artigo interessante sobre o tema é o do Prof. Da UNB Luis Felipe Miguel onde
explica:
“É
difícil simpatizar com o Hamas – um movimento de caráter fundamentalista, que
afirma que “o Corão é a nossa constituição”.
E
o terrorismo, fazendo vítimas civis indiscriminadamente, é sempre repugnante. O
sofrimento que causa não pode ser ignorado.
Mas
não é possível não tomar lado a favor dos palestinos, vítimas há décadas da
agressão israelense.
Israel
é um Estado terrorista. O que pratica contra o povo palestino tem nome:
genocídio.
A
fundação do Estado de Israel, em 1948, passou pela expulsão de 750 mil
palestinos de suas terras – nas palavras do historiador Ilan Pappé, um
israelense crítico de seu país, um processo de “limpeza étnica”, para retirar
os indesejados de seus territórios.
Desde
então, a história é de anexação de territórios e muita violência. A Faixa de
Gaza é um grande campo de concentração – Israel mantém um severo bloqueio
contra o território, impedindo o trânsito de pessoas e de produtos. Faltam
suprimentos, falta energia elétrica, falta água. Ataques “preventivos” ou
“retaliativos” contra civis são frequentes.
É
fácil condenar a violência do Hamas. As imagens são mesmo chocantes.
Mas
a causa é a violência do opressor – isto é, de Israel.
Os
palestinos lutam desesperadamente para romper a pasmaceira da comunidade
internacional e chamar a atenção sobre sua situação. (E talvez não custe
lembrar que o Hamas era um grupo irrelevante até que Israel decidiu
financiá-lo, com o objetivo de enfraquecer a esquerda laica e criar discórdia
entre os palestinos.)
Quando
a indignação é seletiva, como na imprensa que recrimina o terrorismo do Hamas
mas não é capaz de definir o Estado de Israel com os adjetivos certos
(terrorista, racista, genocida), parece que aos palestinos não cabe outra
alternativa que aceitar passivamente tudo o que sofrem.
Na
primeira metade do século passado, a condenação ao nazismo e a solidariedade
com suas vítimas formavam um imperativo moral absoluto, com o qual não era
possível tergiversar.
Hoje,
o repúdio ao expansionismo de Israel e a defesa da liberdade, da dignidade e da
autonomia da Palestina traçam uma linha divisória que separa quem de fato
defende os direitos humanos de quem transaciona com eles.
Que
a ofensiva palestina iniciada anteontem sacuda a consciência do mundo e
contribua para frear a truculência israelense – único caminho possível para a
construção da paz.”
Apesar do esforço da
mídia ocidental “cristã” padecer do viés pró- Israel, tornou-se impossível,
esconder que o terrorismo de estado praticado contra o povo palestino e que transformou a faixa de Gaza, no maior campo de concentração a céu
aberto do mundo.
Nos
últimos anos, Israel bombardeou instalações de tratamento de
água, centrais elétricas, hospitais e escolas de Gaza, fechou as suas
fronteiras e portos, proibiu a operação de um aeroporto e destruiu pelo menos
um terço das terras agrícolas dos palestinos desde 2000, quando autorizou assentamentos
israelenses ilegais em territórios Palestinos.
O
ataque terrorista do Hamás é apenas uma centelha de reação ao terrorismo
israelense, que é legitimado e escamoteado por muitos interesses diversificados, e que parecem aceitáveis-edulcorados pela afinidade cultural. Afinal de contas, a civilização israelense é "coisa nossa", moderna, pop, contemporânea, limpinha e cheirosa e oposta à barbárie árabe-muçulmana medieval e cozida na religiosidade opressora, dos direitos individuais, das mulheres etc, etc.
Fato
é que enquanto não houver negociação e instituição de dois estados com
reconhecimento internacional, o morticínio de lado a lado nunca terá fim.