quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Era uma vez, um país pouco dado à leitura, que foi tragado por fantasmas.


Dentre 76 países pesquisados, pelo PISA international , o Brasil ocupa o vergonhoso 59 º lugar no índice de leitura e segundo o Market Research World, 44% dos brasileiros nunca lê e 30% nunca adquiriu um livro, o que por si só já explica muita coisa, pois como dizia Ray Bradbury “Não é preciso queimar livros para destruir uma nação. Basta que as pessoas não os leiam!”

Nos últimos quatro dias o presidente Bolsonaro falou e fez tantos absurdos que qualquer pessoa minimamente instruída está em choque, como se pôde ver pela resposta do diretor do INPE diante das estúpidas interpelações do obtuso chefe do executivo.

Diante de tanta ignorância pergunta-se o que levou tantas pessoas a se identificarem com o projeto de asnice em contraposição ao conhecimento? O que as levaram a eleger um grupo de pessoas desqualificadas, atrasadas e ineptas para a direção do país? Provavelmente uma meia dúzia de motivos igualmente insanos, mas parece que mais uma vez o mantra do combate a corrupção funcionou como carro chefe da alienação. O Fantasma que assombra a Brasil de tempos em tempos.

A despeito da “corrupção” ser vendida como responsável pela totalidade das mazelas nacionais, ela representa apenas 2,3% do PIB, mas esse dado é muito bem escondido e, como quase ninguém quer ler e se informar em fontes críveis, o que disserem que é, ganha imediatamente status de verdade. Isso por si só fortalece a tática de promover a indignação popular com o “velho fantasma da corrupção” quando convém e a proliferação das fake news e conseqüentes “viradas de mesa”, golpes... etc.

Como indagou o sociólogo Jessé de Souza “Como se Imbecilizou o povo a ponto de levá-lo a pensar que o problema do país é a corrupção política? Como se retira o poder de reflexão do povo inteiro a esse ponto? O alfa e o ômega da história brasileira é criminalizar a soberania popular e os pobres e ter o Estado para os ricos, roubar com isenções fiscais, não pagar imposto. Trata-se de uma conjuntura bastante difícil para o país, que vê dominado por um sistema racista de uma elite cínica, que manipula a classe média com uma falsa narrativa anticorrupção e, na verdade, usa o Estado em benefício de uma minoria desde sempre.

O fato é que a corrupção tem sido usada desde sempre para mobilizar as massas e os alienados com propósitos eleitoreiros e retomada do poder, porque de fato a posição do Brasil no ranking da percepção da corrupção mundial nunca alterou muito significativamente, na linha do tempo, ou seja, independente do governo, partido ou ideologia, a corrupção permanece mais ou menos no mesmo patamar, porque as causas e seu enraizamento na cultura, são muito mais complexos e difíceis de lidar e erradicar do que sugerem os discursos demagógicos caça-votos.

Porém, sempre que necessário, esse mote é utilizado com sucesso pela direita para desviar os sentidos daquilo que realmente importa, que é a redução das desigualdades com desenvolvimento econômico tentadas por governos populares.

Em 1954 criaram o “mar de lama” para designar a corrupção do governo Getúlio Vargas. Jânio Quadros também recorreu à corrupção quando fez sua meteórica carreira, tendo como símbolo uma vassoura, com a qual iria varrer a corrupção. Em 1964 o golpe teve como um dos motores o combate a “corrupção e aos esquerdistas, subversivos e comunistas”. Depois tivemos Fernando Collor que se elegeu como caçador de marajás, demonizando o governo anterior (Sarney) que seria o mais corrupto da galáxia segundo ele.
Enfim é uma narrativa que tem sido vitoriosa apesar de ser um engodo. Esta retórica funciona bem porque existe uma massa de ignorantes muito grande que desconhece a história e trata a política como loteria e/ou entretenimento e, como disse Edmund Burke, “Um povo que não conhece a própria história está condenado a repeti-la.”

A retórica utilizada com sucesso para provocar indignação e atingir e derrubar governos populares que tentaram tirar o país do calabouço da subserviência e ser mero produtor de matérias primas para as nações desenvolvidas, desta vez jogou o país nas mãos de um “desgraçado” e seu séquito de idiotas que estão destruindo tudo o que encontram pela frente, tal e qual os talibãs destruíram estátuas milenares (patrimônio da humanidade), porque não entendiam do que se tratava e se sentiam ameaçados pela simbologia em sua imensa burrice.

Este infeliz, seus cúmplices e apoiadores são os talibãs tupiniquins de agora. Por rancor e ignorância estão desmontando a estrutura educacional e cultural que levou décadas para ser construídos e destruindo todo o estado de bem estar social implementado a partir da constituição de 1988.
Estimulando toda sorte de desgraças, incentivaram o desmatamento e o garimpo na Amazônia, extinguiram conselhos civis e brandindo o fantasma do esquerdismo, seguem corroendo tudo que não compreendem ou julgam desimportante na maquina governamental. Até medidas protetivas erigidas em governos conservadores anteriores ao PT estão sendo trucidadas.

Recentemente o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), divulgou uma pesquisa mostrando que os brasileiros confiam mais em líderes religiosos do que em cientistas. Até 2015 data da última pesquisa a ciência gozava de melhor reputação e a religião mantinha a sua. A construção de uma imagem negativa da ciência, foi incentivada pela ascensão de representantes da extrema-direita, conforme se vê nos constantes embates obscurantistas deste governo, com Jesus na goiabeira, etc.

Pode ser que até consigam algum fôlego econômico com o dinheiro da tunga da previdência e outras por vir, mas o Brasil levará anos para reconstruir e se recuperar desse obscurantismo em que mergulhou por escolha própria, mas nunca antes um governo foi tão capacho, destrutivo e ignorante quanto esse. Todo dia agora é dia de vergonha e ignomínia. O mundo está boquiaberto diante do que está acontecendo e pasmo ao ver o Brasil se distanciar da ciência e do conhecimento e se perfilar ao lado de Paquistão, Arábia Saudita e votar semelhantemente aos Duterte, Arif Alvi, Erdogan da vida.

O mais curioso deste momento, porém, é a subversão dos métodos informativos e estratégia de marketing que consegue o impensável, como transformar mentiras em verdades e direcionar de uma maneira assombrosa, seus seguidores a bovinamente acreditarem em tudo que propagam. Durante a eleição nocautearam os adversários ao transformarem a verdade factual em algo obsoleto!

Repentinamente a verdade passou a ser aquilo que é propagado não mais pelo jornalismo tradicional, mas pelo whatsApp e outras redes. Assim não importa mais o quão absurdo, fantasioso ou estapafúrdia seja a mensagem, ela cola! Conseguiram difamar as universidades, a classe artística, os conselhos, INPE, INEP, ENEM, IBAMA, ANCINE e tudo o mais que se interponha em seu caminho de burrice ou sirva ao seu propósito de criar factóides. Todo o falsiê veiculado no whatsApp se tornou verdade no país do pouco apreço pela leitura e desenvolvimento do senso crítico.

Deste ponto de vista os estrategistas de marketing inovaram, saíram na frente em mobilizar diariamente seu público ainda que ludibriando-os, mantendo mais ou menos o mesmo índice de apoio e lograram êxito em conseguir que até os pobres sacrificassem a própria aposentadoria, o que convenhamos, foi um grande feito só comparável à venda do Partido dos Trabalhadores como o mais corrupto da história, apesar deste ocupar o modesto 9º lugar no ranking. Bem atrás do PP (partido do atual presidente antes de sua eleição), que ocupa o 3 º lugar na lista dos mais corruptos.

É a nova era chegando onde a verdade como conhecemos não vale mais. Agora o que conta é a mensagem que for melhor embalada e vendida para cada público específico. (vide o sucesso da mamadeira de piroca e similares).

Assim, a questão que se coloca acima de tudo agora é; Como enfrentar essa manipulação da linguagem e propagação de “(in)verdades” ? Sem esta resposta, vamos continuar perdendo a floresta, o ar, os corações e a vida... pois, todo regime autoritário se preocupa muito com a linguagem e a comunicação de sua mensagem. E os autoritários não ficam apenas focados em só desmoralizar a divergência: costumam também submeter a língua a uma torção que reinventa o sentido das palavras e fatos.

Quando adolescente li Admirável mundo novo com estupor, fascínio e medo, mas nunca imaginei que a ficção que se passa no ano de 2540, fosse flertar tão rápido com a realidade
Como esquecer o duplipensar:
Ignorância é Força;
Guerra é Paz;
Liberdade é Escravidão