sexta-feira, 20 de março de 2020

Solidão assistida.

E eu que sempre curti solidão, estou descobrindo que a solidão que gosto mesmo é aquela eletiva, tibetana/indiana que você põe um colar que significa que você não quer se relacionar com ninguém e segue andando no meio da multidão e fazendo tudo que gosta normalmente.

A solidão que gosto é aquela de quando meu celular toca sem parar e não dou a mínima, enquanto convites variados pipocam no whatsApp e você se resguarda para no momento que bem desejar, poder ir tomar todas naquele boteco vulgar quando reunir a diretoria, ...e apreciar o desfile de beldades que saem das aulas de natação na ACM.

Já essa solidão de agora é horrível; já consertei o rádio relógio de 1984 que adoro, com aquele mostrador vermelho que ilumina a casa inteira e orienta as visitas mais displicentes. Fazia muitos anos que queria localiza-lo e tentar reativar o despertador com o rádio e ontem realizei o feito.

O Toca discos Aiwa que estava parado desde 1997 entrou em forma também. Nem acreditei quando toquei o Vinil do Rick Wakeman “Viagem ao centro da terra” com todos os chiados e buracos que os filhos da puta dos amigos chapados fizeram nele nas lendárias reuniões da Rua Sergipe. Oh!

Também realizei a hercúlea tarefa de organizar o quarto do Gabriel que ficou parecendo uma fotografia da casa cor, onde antes eram só coisas jogadas, preservativos esquecidos, computador ligado eternamente, inalador, copos com meias, remédios, lenços, livros apostilas... basicamente um cenário pós-apocalíptico.

Só a Geladeira que ainda não encarei porque aí já é demais. Odeio isso.  Estou achando que vou atacar agora minha caixa de cabos e partes de computador e restos de aparelhos eletrônicos, que acumulo desde a invenção do vídeo cassete, mas ainda preciso de um pouco mais de energia e ímpeto organizador e tenho também, que rever centenas de revistas eróticas que acumulo desde 1978 e que venho postergando por ser uma missão muito dolorosa essa de ter que rever o passado... praticamente o diário de todas as semanas da minha vida desde aquela data.

Aqui estamos eu e o Zé (meu gato preto) que gosta de Tevê, alternando documentários, brincadeiras, internet, filmes pornôs, telejornais que as vezes são mais indecentes que os pornôs e também temos conversado muito. Antes eu brigava com ele por qualquer motivo como por exemplo, usar minha pen-drive como bolinha de futebol e depois eu levar um mês para localiza-la embaixo de um móvel que só era arrastado na limpeza bienal. Agora acho super fofo ele desaparecer com todas as minhas coisas entre as patinhas. Que graça! Apesar de ter umas cinco caixinhas de fio dental na casa, atualmente não encontro nenhuma e as tesourinhas e canetas sumiram todas.

Dormir em cima da impressora, pisotear o teclado que antes era infração gravíssima, também entrou no rol das coisas fofas... e pecados veniais como beber agua na pia do banheiro, lamber as escovas de dentes e dormir em cima das roupas tá super liberado.  Ficar miando sem parar me chamando para brincar ou dar de comer, só quando estou lendo algum livro que antes me causava irritação e raiva, agora acho o máximo da interatividade felina. Avançar na tela da TV dando unhadas quando aparecem imagem de pássaros que anteriormente era ameaçado com berros e juras de doação para Ong´s, agora é compreendido como impulso natural e residual selvagem...

E assim sigo aprendendo que a solidão só é bacana quando é optativa, assistida e seletiva. Essa solidão para valer que a gente fica barbudo, largado e ninguém lembra que você existe, ninguém quer beber contigo e você nem pode ir à rua apreciar os passantes, e o menear dos seus quadris, é um saco!

Como diz o protagonista do filme “Na Natureza Selvagem” na solidão dos seus últimos momentos, “as coisas só fazem sentido, quando podem ser compartilhadas” incluindo aí o isolamento por mais paradoxal que pareça.

Cheers!


                                                       O Zé caçando na tevê...