Fim de ano, tempo de reencontrar as origens. Sempre que possível venho à cidade onde nasci, Jataí-Go ver minha família e conseqüentemente, conferir a linha do tempo impressa no rosto daquelas pessoas que não vejo regularmente e imagino que elas fazem o mesmo comigo. Estranha é a sensação anual de voltar á casa onde nasci e revisitar fantasmas, ou melhor, ser visitado por eles. Tempo de ser açoitado por estilhaços de lembranças que explodem a todo instante nas gavetas da memória. Afinal deixei este lugar em Dezembro de 1980 rumo a São Paulo sem saber o que iria acontecer.
Então chegando aqui, sinto falta de amigos e estava agora a pouco percebendo o quão difícil é manter alguma relação por toda vida, porque mudamos o tempo todo e só muito raramente os caminhos se sobrepõem ou mesmo permanecem paralelos -o que já é o máximo-. Entretanto, me considero um felizardo porque tenho ao menos uma irmandade que não se perdeu, que é meu primo Tininho que vem a ser a minha mais remota ligação com minhas origens no sentido mais amplo. Somos muito parecidos e diferentes ao mesmo tempo e sempre que nos encontramos é como se tivéssemos almoçado juntos ontem e não são necessárias muitas palavras para a comunhão.
Crescemos juntos no mesmo quarteirão e nunca perdemos as afinidades, carinho, respeito admiração mútua, lealdade e tudo o mais que dá sentido e consistência a uma relação. Grande fotógrafo, um cara sensível e com uma imensa curiosidade pela vida, documentarista meticuloso, mateiro dos bons e amante do cerrado, ontem me farejou e passou aqui em casa (sim porque até hoje minha mãe mantém numa casa espaçosa os quartos de todos os (sete) filhos com guarda roupa e alguns pertences básicos como se todos ainda estivéssemos aqui- mas isso é um tópico para outra hora) e me pegou para irmos passar o dia na serra do caiapó procurar uma águia cinzenta para fotografar. E lá ficamos o dia todo fotografando e observando pássaros. Falo nisso porque quando chegamos na serra ele já tinha tudo no carro. Ninguém falou no assunto, mas eu sabia que ele já tinha pensado em tudo assim como eu também faria. E lá estavam: minhas comidas goianas favoritas, duas cadeiras confortáveis, binóculos, repelentes cerveja, sucos água etc... numa mini geladeira e até uma super telefone celular que funciona no meio do mato e ficamos ali há 100 kilômetros de tudo, debaixo dos pés de pequis e jatobás no aparado da serra fotografando a chuva os pássaros, a paisagem bucólica, os desenhos aleatórios e caprichosos que a natureza imprime na argila e espiando o catálogo de pássaros comparando, identificando, rindo enquanto ele explicava que ali, (700 metros de altitude) outrora fora o mar no período pré-cambriano sessenta milhões de anos atrás bla,bla,bla... Só nós dois o dia todo escarafunchando a serra, percebendo os cheiros do cerrado e conversando sobre tudo e nada e vez por outra rememorando a infância... avaliando o presente, e... por assim dizer degustando a vida e apostando pra que lado as “mangas” de chuva iam desabar... e porque não, praguejando contra o capitalismo que não deixou uma única peroba-rosa em pé tão comuns por ali anos atrás.
Enfim um dia feliz que fez lembrar Guimarães Rosa que dizia mais ou menos assim: "Qualquer felicidade, qualquer tipo de amor vale a pena, pois é uma pausa, um tiquinho de saúde, um descanso na loucura!"
Algumas fotos de ontem podem ser vistas clicando aqui.
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3 comentários:
Ri, post delicioso, cheio do feeling que você faz tempo não demostrava aqui em SP. Que bom rever gente que não são os fantasmas do passado,e que continuam iguais, fieis à própria vida...Adorei as fotos e fiquei me perguntando se eu poderia acompanhá-los num trip desses, com cervejas e binóculos incluídos. Bom ter o Ricardo-humanizado-e-não-grumpy de volta! Beijo!
Graaaaaaaande Ricardo,
então, tem uma alma mto sensível aí dentro que apareceu forte neste texto.
e essas imagens, tão brasileiras, então, que colírio.
obrigada por repartir um pouco de você e da tua história aqui. amei.
bjs.
Querido Ri,
Que bom essa oportunidade de dar uma pausa na loucura da vida, rever a família, amigos e encher os olhos com paisagens tão maravilhosas. Com certeza, é uma recarga de boas energias para concluir este e iniciar o novo ano que está aí.
beijo grande!
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