quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Conversa de Surdos

Atarantado por tanta negatividade exalada pelos inconformados com o resultado das eleições, acordei hoje as 06h15min, abri a porta peguei o Jornal e a manchete como sempre ambivalente, afinal o jornal precisa vender a todos e aí as santificadas razões de mercado justificam a ambivalência como método!?  Logo abaixo para meu espanto vejo o Papa explicando que Deus pode muito bem ter instrumentalizado o big-bang para a criação do mundo ao invés da varinha de condão e pensei vish, e agora?
Até ontem os criacionistas se esbofavam atrás de uns poucos cientistas que tentavam dar um verniz cientifico às suas crenças e agora José?  Bem alguns cínicos dirão que o Papa atual que é o primeiro da idade moderna a entender o mercado da fé, está apenas contextualizando a igreja para recuperar “Market Share”. Ponto pra ele.
Assim como os criacionistas procuram apenas os cientistas que possam afirmar o que querem ouvir, nossa política também de uns tempos pra cá, passou  -maniqueisticamente-, a usar os mesmos critérios e cada um dos lados passou adotar como verdade absoluta TUDO que corrobora suas crenças e dane-se o pensamento crítico e o bom senso.  Ah, e vale reproduzir, compartilhar (mesmo que seja hoax) este vale tudo, desde que isso ampare as ideias pré-concebidas, a guerra pessoal, o ódio eterno ou o que seja (brrrr!).  A outrora apreciada verdade factual caiu em desuso definitivamente.  Estabeleceu-se agora um diálogo de surdos onde cada grupo berra suas “verdades” nas redes sociais, bares e até nos antes civilizados almoços de domingo sem nenhum senso do ridículo, onde ninguém escuta outro, o que faz deste falatório uma espécie de não-diálogo.
Agora mais recentemente, de um lado ficaram os eleitores de Dilma brandindo recortes do The Guardian, The New York Times, Carta Capital, Transparência Brasil, Blog do Paulo Henrique Amorim, Record, DCM e do outro estavam os eleitores de Aécio repercutindo, The Economist, Financial Times, Miami Herald, Busines Week, Globo, Estadão e alguns até (pasme!) a Veja, sem, no entanto ninguém desejar ouvir o outro, porque certamente o “razoável” deveria estar em algum lugar, digamos assim simplificadamente, entre o Estadão e a Carta Capital.
Mas não, ninguém parece interessado em coisa alguma a não ser berrar mais alto que outro para ser ouvido, chegando até aos píncaros do ódio e do absurdo que aí está.  As pessoas não querem ter trabalho para se informar  e preferem o fast-food das noticias que já vem mastigadas e servidas antes e depois da novela, porque dá muito trabalho escrutinar todo conteúdo disponível e também cotejar com a mídia independente para apurar e entender o que se passa, pois instalou-se uma espécie de horror a saber de qualquer coisa que não apoie suas teorias prévias, ou seja, voltamos à idade média. Assim, a opção mais confortável, é abraçar a superficialidade servida pelo esgoto jornalístico tão bem embrulhado por telejornais e revistas semanais caça-níqueis, isso para aqueles que se julgam “informados” porque, para uma uma grande maioria nem isto, já vão direto ao ridículo de ficar o tempo todo se “informando” e reproduzindo sites apócrifos, sites de ódio travestidos de jornalismo, hoax, hoax e mais hoax, com desenhinhos, banners, planilhas, gráficos, citações e fontes-hoax, para conferir credibilidade e muitas vezes nem isso, quando já replicam de bate pronto conteúdos ofensivos, falsos, etc, sem disfarces, atacando nordestinos, pobres, Cuba, e verdadeiras pataquadas sobre o bolsa família, que é um programa reconhecido e premiado mundialmente.
A que ponto chegamos?
Estranho é a esquizofrenia da massa cheirosa pois ao mesmo tempo que o seu candidato defende os programas sociais e insinua que vai até aumentar seus valores, seus seguidores na contra-mão, vociferam nas redes contra estes mesmos programas, bolsa esmola... cuja paternidade até o próprio partido reclama pra sí e exalta (risos!) É o samba do criolo doido ou como diria o saudoso João Saldanha, jogando contra o patrimônio.
E onde estão os conteúdos advindos de pensadores ligados ao PSDB como, Rubens Ricúpero, Mendonça de Barros, Rubens Barbosa e tantos outros, e de outro lado, Beluzzo, Conceição Tavares, Bresser Pereira etc?  Cadê o interesse por temas que de fato irão impactar nossas vidas?    Porque rebaixar o debate à temas moralistas como corrupção, aborto etc?  E porque ficar repetindo no facebook, como papagaios de telejornal, "axiomas(!?)" como “redução de dívida pública”, “cortes de gastos”, “Arrocho Fiscal” etc, sem domínio algum destes complexos temas, que sequer são unanimidades entre os técnicos de ambos os lado? (risos). Ex: Há em ambos extremos do espectro, economistas que acreditam que incremento no gasto público tem o benéfico efeito de estimular a economia e outros que discordam.  Nada é tão simples como um Fla x Flu ou Keynesianos versus Monetaristas, para que se possa papagaiar por aí soluções econômicas sem reflexão. O sistema é multifacetado e entender um mínimo para fazer a melhor escolha requer esforço. O erro favorito de alguns políticos é apresentar soluções fáceis como, por exemplo: redução do estado, pena de morte e redução da maioridade penal. Está mais do que comprovado que não funciona, mas políticos oportunistas sempre (re)apresentam a solução mágica  -caça-votos-, para delírio da plateia e sempre que a plateia se frustra vem à raiva e depois nova panaceia lhes será servida após a novela para restabelecer a bovinidade.
Muito curioso também são os ataques de desinformação e expectativas direcionadas à esfera de poder equivocada. É comum alguém dizer: Vou votar no Aécio para ele melhorar o transporte no meu bairro, etc (que não depende do presidente) ou vou votar na Dilma porque ela vai enxugar a máquina (depende de reformular o estatuto do servidor pelo legislativo, reforma administrativa etc..). Enfim estamos mergulhados num pântano de ignorância e preguiça mental que conduziu a essa conversa de surdos, quando não à guerra de lama onde cada grupo fica tentando demonstrar, quem apresenta o mais vistoso índice de corrução.  Aliás, este foi um erro grosseiro do marketing da campanha do candidato Aécio, pois ao eleger a corrupção como mote da campanha, se viu em maus lençóis, pois nos 10 maiores casos de corrupção da historia brasileira, Segundo o estudioso e especialista em corrupção Prof. Andre Carraro, do departamento de economia da Unversidade Federal do Paraná e fundador do Museu da Corrupção, o PT aparece na 9º colocação e o PSDB ocupa posições bem mais destacadas. Por outro lado a população em geral tem a percepção de que a desonestidade existe em toda atividade humana e em todos os partidos e não mordeu a isca, porque estava de fato mais interessada, em seu bem estar. Além disso, quando o TSE publicou o ranking dos partidos mais corruptos do Brasil lá veio o PSDB encabeçando a lista, o que convenhamos não é pouca coisa.  Porém e apesar da verdade factual, a mídia gorda e conservadora e que sempre foi inimiga das causas e dos partidos progressistas, conseguiu colar no PT o rótulo de mais corrupto, abafando a verdade  que nos tempos midiáticos está em baixa.  Por falar nisso, a tentativa nojenta da Veja  de influir no pleito com a tal “bala de prata” noticia falsa na última hora, merece outra reflexão visto que  pela primeira vez a Globo amarelou e não acompanhou a parceira e a Folha fez beicinho para a Globo porque ficou sozinha desta vez no apoio à falcatrua da Veja e a Globo se "desculpou?/explicou", porque não quis entrar nessa com a Folha e Veja desta vez. Vergonha, vergonha! Nem o terrorismo da bolsa e os ataques especulativos com o dólar e o prosaico envenenamento do doleiro Alberto Youssef..., nem todas essas trapaças de última hora somadas, -surpreendentemente diga-se-, não resolveram e a Justiça ainda suspendeu parte da tramoia com a capa da Veja antecipada e ainda concedeu direito de resposta imediato.
Ao nivelar as campanhas por baixo até rastejar na lama, produziu-se muito ódio que está aí por todo lado, e o efeito de tudo isso tem sido uma grande angústia individual que leva ao destempero total e seria até engraçado, algumas manifestações de inconformismo com o resultado das eleições como o clamor ao exército para que dê um golpe, ou o “vamos para Miami”, mas é apenas triste ver  milhares de pessoas assim sem entender..., posto que foram por anos, alienadas pela preguiça mental e adestradas pela mídia sabuja dos grandes interesses, que instigaram o ódio e conseguiram pela repetição ad nauseam, colar o rótulo de “corrupto” no PT. Isto tudo movidos pelo ódio político, buscando apear o partido do poder a qualquer preço.  Não conseguiram nos sucessivos pleitos, mas o efeito colateral está aí: Milhares de pessoas em todas as camadas sociais, inconformadas e de luto (risível?), porque não entendem “o que acontece(u)” porque suas mentes são ou foram colonizadas pela mídia gorda e safada, e como não tem acesso à imprensa independente e nem tampouco estão mentalmente habilitadas a escrutinar a “verdade ficcional“ administrada a eles em conta-gotas diariamente pelos telejornais, etc, ficam assim agora sem chão... angustiados..., porque não sabem o que se passa, nem o que realmente estava em jogo. Com suas mentes binárias e formatadas para situações Palmeiras X Corinthians, se perguntam o tempo todo; Ora, mas se o PT é a própria encarnação do mau (risos!) Como eles ganharam?  Ato contínuo explosões de ódio.   Pobres-coitados, papagaios do esgoto jornalístico, ficam desamparados agora..., a espera do próximo capitulo da novela... plim-plim!!!
Em jogo, esteve escolher progredir ou regredir, entendem? Foram 36 milhões de pessoas resgatadas da miséria em 12 anos. E é o que dá pra fazer por enquanto, porque sem as reformas que o país precisa, fica difícil tocar o país mais eficientemente.  Basicamente qualquer um que se eleger vai ter que sentar no colo do PMDB pra governar... Traduzindo: Com a estrutura partidária atual e sem mudar a forma de se pactuar na política, sempre vai haver corrupção para se obter a aprovação de medidas no congresso e para finaciar partidos.
Desde 1985 se ouve falar das reformas; Administrativa, Política, Tributária, Fundiária, Urbana... e elas nunca são objetos de discussão. E sem elas vamos continuar operacionalmente paquidermes e corruptos. E porque isso nunca progride? Porque ninguém quer falar de “Financiamento publico de campanhas, voto distrital, representação proporcional, etc... ???  A resposta é complexa, mas em parte porque o povo foi ensinado a achar que tudo se deve apenas a corrupção e falar de reforma disso e daquilo,  não dá voto...  Outro péssimo e comum hábito é falar que todos os políticos são iguais. Esta afirmação só justifica ainda mais a preguiça de acompanhar, conhecer e escolher bem e é também bastante conveniente para alguns lotar o congresso de imbecis que vendem seus votos ou são manipulados por esses interesses.
Horrível como me disse uma amiga, foi ver as trevas interiores dos seres humanos, aflorarem sem nenhum pudor ou disfarçe. Pessoas com boa estampa ou imagem para consumo externo, rasgaram a fantasia e exibiram todo a podridão interior. Na verdade este recheio putrefato é o que de fato estava latente à espera apenas da fagulha para explodir. Horror... o horror!
Por fim a escolha do PT foi a mais acertada a meu ver, porque a receita do PSDB já é velha conhecida e se baseia no alinhamento incondicional  aos ditames do Mercado e aos USA  em detrimento do interesse nacional. Pelo menos para Dilma, o mercado não é Deus, é apenas um espaço para trocas e as pessoas não comem índices, comem comida. Menos mau então.
Como disse um amigo, vamos esperar pelo dia em que a eleição seja livre de celebridades, hoax e golpes midiáticos. Quando este dia chegar, teremos entrado na vida adulta.
...e segue a vida! 


Obs:
 Adicionado em 31.10.14.
Muita gente me perguntando porque escrevi tanto se ninguém quer ler postagens longas?
Resposta: Fiquei irritado com o tamanho da arrogância do eleitorado Aecista derrotado que, além de superficial e raso, ficou prepotente e passou à assediar moralmente os pobres e humildes, e quem não votou no candidato deles (*rs!), como presenciei num boteco na Av dos Arapanés, onde vi um babaca inquirindo uma garçonete nordestina.




terça-feira, 14 de outubro de 2014

É a economia, estúpido!

Há muito ruido e pouca reflexão em torno da eleição presidencial, mas se deixarmos o clima o Fla x Flu de lado, e pensarmos que país queremos, veremos que está faltando discussão sobre a educação e economia no lugar de proselitismo barato tipo "redução da maioridade penal, etc"  
Alguma racionalidade acerca da política econômica dos candidatos, pode ajudar a entender o bê-á-bá do bastante tergiversado tema do crescimento econômico conforme ensina Bresser Pereira um dos fundadores do PSDB em entrevista recente.
Para ele, os grandes nós da economia como a depreciação cambial, não estão próximos de serem desatados, qualquer que seja o presidente eleito, porque os técnicos-economistas brasileiros não conseguem compreendê-los à luz de uma nova abordagem, uma vez que ficam atrelados a velhas ideias/receitas e os que compreendem, não tiveram ainda forças e apoio para enfrentar os interesses de curto prazo daqueles que rejeitam a depreciação cambial porque não querem que seus rendimentos diminuam e a inflação aumente, ainda que temporariamente, porque a oposição liberal e colonial encabeçada pelo PSDB e parte da elite do país, é incapaz de criticar a ortodoxia e não vê os conflitos entre os interesses do Brasil e a dos países ricos e por isso, ele acredita que o governo atual reúne mais condições para tentar reverter o quadro onde a economia brasileira deixará de estar somente a serviço de rentistas e financistas, como tem estado nos últimos 23 anos, pois para crescer, os interesses dos empresários ou do setor produtivo da economia precisam coincidir razoavelmente com os interesses dos trabalhadores e, afinal o PT já vem tentando há tempos reverter esta tendência -neoliberal-, a que o PSDB quer retomar e reforçar equivocadamente. O resto é blá,blá,blá, de horário eleitoral, tagarelice de rede social e discurso de ódio.
Leia a integra da entrevista de Bresser aqui.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Voto

Para deputado estadual, vou votar no Carlos Giannazi pela sua combatividade em prol da educação e para que ele continue azucrinando o governador Alkmin que demonstra desprezo pelos professores e a educação em geral.
Para deputado federal, no Paulo Teixeira novamente, aliás, quinta à noite temos encontro com ele na Av São João 126 4º Andar (Festa da Diversidade) e entre varias coisas acho que uma das bandeiras mais importantes da sua plataforma é a desmilitarização da Policia. Tem também a PL 4471/2012 que propõe o fim do “Auto de resistência” que é um entulho da ditadura e que na prática, funciona como autorização para a polícia matar á vontade.
Para Senador, votarei no Eduardo Suplicy que é desde sempre, um exemplo de político serio, progressista e ativo.
Para Governador, votarei no Alexandre Padilha 13 que fez um bom trabalho como ministro e é um médico seríssimo e que por acaso, trabalhou e morou com meu irmão Ralph, quando ambos “ralavam” na selva amazônica cuidando das comunidades carentes ribeirinhas do Rio Tapajós, o que da mostras de sua dedicação à Saúde.
Para Presidente, votarei na Dilma Rousseff para que sejam continuadas as políticas de inclusão social que em 12 anos já resgataram 36 MILHÕES de brasileiros da miséria.
Obs: Na eleição passada votei no Nabil Bonduki para Vereador e noFernando Haddad para prefeito e acompanho o trabalho dos dois e estou muito satisfeito e me sinto representado. Acho que o mais importante é se APROXIMAR, conhecer, acompanhar e cobrar dos representantes ao invés de se deixar conduzir somente pela “fofoca da política” veiculada persistentemente pela mídia gorda, preguiçosa e comprometida com seus próprios interesses. É isso.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Para o meu Pai.

Meu Pai se foi hoje e nem deu tempo de despedir.

Pai,
De tanto conviver com crianças e adolescentes nos últimos dias em que o seu neto Gabriel esteve aqui, não pude deixar de lembrar muitas vezes do senhor e também de comparar o modo de ser dos garotos de 14 anos de hoje e o garoto de 14 que fui; Aos  quatorze anos eu dirigia sob suas ordens, um trator Massey Ferguson 65x, uma caminhonete C14 e uma Rural, ajudando nas plantações de arroz, além de estudar de manhã e desempenhar varias outras tarefas como, cuidar da Granja, triturar milho, colher ovos, etc e etc. Não sei se o senhor se lembra mas aos 10 anos de idade eu tinha a incumbência de cuidar dos irmãos mais novos, preparando mamadeira, trocando etc, enquanto o senhor ia com a mamãe aos ensaios do coral da igreja. Pois bem, esta semana,  aqui no litoral, pedi um dos garotos pra ir ao mercadinho em frente comprar presunto enquanto eu preparava o café da manhã para eles mesmos e ouvi uma inacreditável e interminável arenga para não ir por pura preguiça. Fiquei Irado e lembrei que quando o senhor me mandava (uma única vez) fazer algo como levar uma marmita de comida a 3 kilometros de distância para um trabalhador na plantação, ou comprar gasolina para o moinho, eu mais que depressa tentava ser o mais eficaz e eficiente possível para marcar pontos e fincar o pé no mundo adulto conquistando respeitabilidade. Passo seguinte, adquiri o direito de empunhar aquela velha espingarda 36 para "espantar" as capivaras que atacavam o arrozal e me sentia o máximo! (risos).
Hoje se pedimos a um guri para ir na esquina buscar um molho de tomate numa emergência, ele desdenha da gente e nem tira o olho do videogame para responder e os pais dizem que é “assim mesmo” vivemos em “outros tempos...” Então eu acho que embora o senhor tenha sido muitas vezes excessivamente violento em algumas situações, o balanço geral foi positivo por me ensinar a ter uma rica “noção de ser e estar no mundo” que considero um legado fenomenal e por isso tenho tentado esquecer a parte bizarro-religiosa e violenta.
Daí que dois dias atrás quando voltei da praia com os imberbes, liguei pra minha mãe e ela disse que o senhor estava ótimo e com certa lucidez e então eu pedi a ela que dissesse que eu não guardava mais tantas mágoas (por ter sido excessivamente severo comigo na 1ª infância) porque entendi que em contrapartida havia me passado preciosos conceitos e ensinamentos que fizeram de mim uma pessoa razoável bla,bla,bla..., entendendo que educar e preparar uma criança para a vida, é uma tarefa das mais desgastantes. Agora acabo de saber que não deu tempo, né? Hoje de manhã o senhor teve uma piora repentina e se foi e eu fiquei com um travo amargo na boca em não ter podido dizer isso a tempo, mas eu também só fui perceber que eu não tinha mais raiva recentemente... assim como só nestes últimos tempos foi que pude saber o quanto é difícil educar uma criança e o senhor tinha sete! Enfim, estou aqui meio atarantado sem saber como ir para Jataí para reencontrar pessoas que amo e me assombrar com os demônios que me espreitam em cada esquina. Sim eles são muitos ainda. Uns travestidos de religiosidade pseudo-light, outros de bufonarias variadas e lembranças agônicas que saem do parque de jatobás à noite com suas caras medonhas vindas diretamente do passado para terrificar. Penso no senhor e imagino como poderia ter vivido mais e ter sido mais livre e feliz se não tivesse sido tão aterrorizado pelo negrume do medo do inferno e tão esmagado pelo julgo da culpa judaico-cristã, que ainda continua rondando a área, ainda que transmutada em maneirismos variados e dissimulada de moderninha-inofensiva para açambarcar novas vítimas-fieis. Agh! Vi umas fotos do senhor agora a pouco e lembrei de sua risada, do seu carinho e ternura, quando não estava tenso, irado/preocupado com a CULPA-pecado e outras sandices que lhe foram covardemente impressas na alma infantil e indefesa. Quisera eu que o senhor não tivesse repassado esta carga (calvinista) miserável também... enfim, fiquei aqui um tempo relembrando que quando pequenino e não havia TV ainda, depois do jantar o senhor ficava no alpendre me ensinando ver as estrelas e contando estórias de um tempo que chegou tão rápido que não deu nem tempo de entender o fim.
Fique bem, querido pai e me perdoe pela impulsividade e pela pressa de querer crescer e partir, mas eu tinha que fugir daquela opressão, daquelas igrejas todas e da religiosidade exarcebada e insana. Eu vivia aterrorizado pela coisa toda, mas pressentia que se subisse à tona encontraria alívio, frescor e vida. Era só isso que eu queria; me libertar daquela atmosfera escatológica. Eu era só uma criança com barba naquela madrugada em que desapareci. Só eu é que não sabia. Até hoje fico pensando no que o senhor sentiu quando acordou e viu que eu com 17 anos tinha ido embora. Desculpe, viu!? Foi mal!  E olha, eu só sobrevivi porque o senhor me preparou para a dureza. Só não preparou para as artimanhas da vida pois o senhor acreditava e me ensinou a também crer na intervenção e na proteção divina e eu demorei muito e me lasquei bastante até perceber que tratava-se de uma mera abstração delirante e comecei a me ligar que estava mesmo só num mundo cruel.
Não foi fácil me curar e libertar do ranço religioso, mas consegui grandes progressos. Não espero que compreenda tudo isso, mas gostaria que soubesse que já não tenho tanta ojeriza e raiva da bobageira toda a que fui submetido. Diria até que hoje, compreendo melhor o bizarro fenômeno religioso e suas desencadeantes, mas não tenho paciência com o circo ainda. Só falei disto  porque sei o quanto isso te infelicitou ainda que o senhor não tenha nunca sabido e talvez por isso eu já não tenha tanta raiva. Só lamento ver que tudo continua igual, quando vejo seus netos já sendo adestrados desde a tenra idade.
Olha pai, boa Viagem para onde quer que seja e eu vou tocando como der por aqui, sempre sonhando que um dia a ciência talvez vença a morte, essa intrusa desagradável e inconveniente.
Sempre que passo na rua das palmeiras em Santa Cecília ou em frente ao Mackenzie, lembro do senhor e fico pensando em porque não gostou daqui na sua juventude. Eu desde que cheguei aqui naquele libertador dezembro de 1980 adorei tudo e embora tenha estado em tantos outros lugares eu sempre volto pra cá.
Olha, dia desses vou te escrever uma carta com mais detalhes porque agora tenho que fazer as malas e ir até aí...
Saudades,

Ricardo

quinta-feira, 17 de abril de 2014