quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Feliz Natal !

Bernard Shaw, o brilhante dramaturgo e frasista irlandês, disse certa vez que o melhor lugar para passar o Natal era um longínquo país oriental no qual a data não fosse comemorada. Concordo com ele e vou além porque fico raivoso em ver o povo bovinamente movendo-se nas ruas e shoppings estupidamente sem nem ao menos saber porque e transformando tarefas simples como ato de entrar num supermercado para apanhar nossa cerveja de cada dia num verdadeiro inferno. O Trânsito então nem se fala. E o que dizer das luzinhas chinesas, o chato do papai noel e a famigerada árvore de natal. Uma coisa sem sentido algum para mim e a histeria comercial? Afff!
Segundo um estudo ("Scroogenomics - Why You Shouldn't Buy Presents for the Holidays") da famosa escola de administração da Universidade da Pensilvânia, Para quem os recebe, nossos presentes valem apenas 53% ou seja 47% gasto com presentes são dinheiro jogado no lixo. O Psicalista Contardo Calligaris analisando o estudo, levanta questões interessantes:

... Por que oferecemos presentes de natal? Resposta óbvia: para produzir a maior satisfação possível no presenteado, para fazê-lo feliz. Talvez, mas vamos devagar. Por exemplo, é bem possível que a troca natalina de presentes seja sobre tudo um gigantesco "potlatch", como dizem os antropólogos, ou seja, uma maneira de torrarmos festivamente nossos recursos (dinheiro, bens e tempo) só para manifestar nossa riqueza (grande ou pequena) aos outros, ao céu e a nós mesmos. Além disso, cada um presenteia amigos e inimigos por razões que pouco têm a ver com a intenção de fazer o outro feliz. Há presentes pedagógicos e paternalistas (ofereço um vale-livros ao primo que não gosta de ler e uma camiseta P ao maridão que virou um boto), assim como há presentes que servem só para cumprir o protocolo ou para intimidar os presenteados (no estilo: "Este, meu caro, você nunca vai poder retribuir".)

... Quando alguém que amo (e que me ama) me oferece um presente, não espero receber aquele objeto que quero e procuro há tempo -claro, vou gostar de receber isso, e vai ser uma festa, mas, cá entre nós, esse tipo de coisa posso encontrar e comprar sozinho. De quem me ama, espero muito mais: espero receber algo que, até então, literalmente, eu não sabia que eu queria.
O verdadeiro presente é aquele que me revela meu próprio desejo.
 ...(continua)

Publicado originalmente em 24/12/2009 e de lá pra cá só piorou

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

2015 o ano Zika !

2015 é um ano para não esquecer mesmo !
1-Eduardo cunha é eleito presidente da Câmera com os votos do PSDB, PMDB, PPS e nanicos e decidiu afundar o país com pautas bombas e sabotando qualquer medida que venha do Governo.
2-Temos o pior congresso da história política brasileira em ação.
3-A Samarco, Vale e BHP, destruiu toda a bacia hidrográfica do rio doce e ninguém foi punido.
4-Presidente da CBF José Maria Marin é preso na suíça, mas aqui é gente boa que organiza o futebol.
5-Terroristas islâmicos decepam cabeças ao vivo no oriente médio.
6-Aqui, pessoas sem cabeça vão as ruas pedir golpe civil ou militar para depor Dilma.
7-Aedes aegypti ataca novamente, desta vez trazendo também a chicungunha (que rima com cunha).
8-Inexplicavelmente Dilma resolve adotar receituário neoliberal do PSDB com Joaquim Levy, que tira dos pobres e dá aos rentistas.
9-Aécio é citado pela 2ª vez na lava jato, mas fica por isso mesmo.
10-Wesley Safadão é a revelação “musical” do ano (Deus tenha misericórdia!)
11-Governador do Paraná Beto Richa mandou espancar os professores e a imprensa não viu nada.
12-Governador Alckmin de São Paulo, ordena o fechamento de escolas, alunos resistem e ele manda a policia militar espancá-los e a mídia sabuja não vê nada (na agressão a crianças) além do correto trabalho da puliça.
13-Auge da crise hídrica em São Paulo e Minas, mas o governador Alckmin ganha prémio de melhor gestor hídrico. (é sério!)
14-Dilma cede a chantagem e entrega vários ministérios aos chantagistas do PMDB, para evitar apoio o golpe via impeachment.
15-Incêndio devasta a Chapada Diamantina.
16- Incêndio destrói o Museu da Língua Portuguesa e parte da bela estação da Luz.
17-Em 37 rodadas nenhum pênalti é marcado contra o Corinthians.
18-Policiais executaram 19 pessoas na periferia de São Paulo.
19- Policia Militar do Rio de janeiro extermina Jovens, negros e pobres “por engano” e segue...
20- Corregedoria da Policia Militar de São Paulo recebe propina para acobertar policiais corruptos.
21- Morre o ex-vocalista do Stone Temple Pilots, Scott Weiland.
22- Presidente da Câmara envolvido em vários episódios de corrupção, tem a cabeça pedida pela PGR, mas ainda assim, desatou o impeachment de Dilma, apoiado pelos aliados PSDB e DEM que não aceitaram o resultado das eleições até hoje e seguem empurrando o país para o abismo.
23-Taxistas espancam motoristas do Uber.
24-Zika vírus chega trazendo surto de microcefalia já beirando os 3 mil casos.
25-Morre o genial cantor e compositor Júpiter Maçã.
... e olha que o ano não acabou ainda, heim?

Atualização em 12/02/2016 : Morreu o grande Lemmy no dia 28 de Dezembro e 12 dias depois David Bowie

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cronologia dos golpes de estado no Brasil

Fui pesquisar por curiosidade a historiografia dos golpes de estado no Brasil e não encontrei nenhuma lista definitiva ou coisa parecida, mas escarafunchando por aí deu para encontrar mais de dez de caráter militar, parlamentar, misto etc, com apoio de parte da sociedade civil inclusive. 
Pode ser que tenha faltado algum, mas já dá pra ter uma ideia do desapreço brasileiro pela legalidade e inclinação para os casuísmos /” jeitinho”.  E no final fica sempre a pergunta; Torcer as regras por conveniência para golpear a legalidade não é também uma forma de corrupção?  Logo ela que sempre esteve no centro e entre os pretextos favoritos para os golpes por maior que possa ser esta contradição!?
Vamos a eles:

1º  Golpe
1840: Posse de Pedro II através de golpe parlamentar antecipando a maioridade de Pedro aos 14 anos para que ele pudesse assumir e que ficou conhecido como golpe da maioridade.

2º Golpe
1889:  D. Pedro 2º foi deposto pelos militares do Rio de Janeiro e banido do país com toda sua família e assume o marechal Deodoro da Fonseca.

3º Golpe
1891: Com a renúncia de Deodoro da Fonseca, assumiu o vice, Floriano Peixoto. A Constituição mandava que fossem realizadas novas eleições. Floriano ignorou a constituição governando com mão de ferro até 1894. Chamaram-no "Golpe do Marechal de Ferro".

4º Golpe
1930: Getúlio Vargas é derrotado na eleição presidencial e lidera uma revolta que termina na deposição do presidente Washington Luiz, pelos militares do Rio de Janeiro.

5º Golpe
1937: Getúlio Vargas fechou o Congresso, cm o apoio dos militares integralistas e suspendeu a eleição presidencial que marcara,  criando a ditadura do Estado Novo.

6º Golpe
1945: Os militares depuseram Getúlio Vargas, que convocara eleições para eleger seu sucessor. Elas deveriam ser realizadas em dezembro, mas Getúlio foi deposto em outubro e tomou posse o presidente do Supremo Tribunal Federal. 

7º Golpe
1955: O presidente era Café Filho que precisou se retirar por problemas cardíacos. Deixou em seu lugar o presidente da câmara Carlos Luz, que demitiu o ministro da Guerra, Henrique Lott, e em poucas horas foi deposto pelos militares. O Congresso então providenciou um impeachment para Carlos Luz e empossou o presidente do Senado, Nereu Ramos.

8º Golpe
1961: Jânio Quadros renuncia e os ministros militares não concordaram com a posse do vice-presidente João Goulart. Com o país à beira de uma guerra civil, em poucos dias o Congresso votou uma emenda parlamentarista, golpeando e mutilando os poderes do presidente Jango, que finalmente assumiu.

9º Golpe
1964: Insuflados por uma parcela da população, inicia-se uma revolta militar. O presidente Jango desiste do confronto e o presidente do Congresso declara vaga a presidência da República, extinguindo o mandato de João Goulart que teve que fugir para o Uruguai e assumiu então o Marechal Humberto Castelo Branco.

10º Golpe
1968: Chamado golpe dentro do golpe, o marechal Costa e Silva assume o poder e baixa o Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso e suspendeu as liberdades, mergulhando o país no mais tenebroso período da história recente onde floresceu a tortura e desaparecimentos de pessoas contrárias ao regime.

11º Golpe
1969: O Marechal Costa e Silva, sofreu um AVC e ficou incapacitado. Os três ministros militares então avisaram o vice Pedro Aleixo, que ele não assumiria e formaram uma Junta Militar para governar dando continuidade ao regime até 1985, quando houve a redemocratização do país.

12º ?!!  2015
Esboça-se e avizinha-se mais um jeitinho, um novo golpe encabeçado pelos políticos derrotados na eleição de 2014 em aliança, com a mídia partidarizada e oligarca que martela dia e noite a corrupção de um partido e santifica os demais, insuflando segmentos sociais insatisfeitos com o partido dos trabalhadores no poder pela 4º vez consecutiva eleito pelo voto popular. Para dar uma aparência de legalidade ao golpe estão sendo gestada e alimentada uma crise com o objetivo de jogar a população contra a presidente eleita e um artifício jurídico como sempre, para envernizar o golpe, que são as tais "pedaladas fiscais" que apesar de indesejáveis, são apenas jogadas contábeis praticadas desde sempre por todos os governantes, sem nunca ter sido objeto de querelas e muito menos indignação.

Se o golpe vai triunfar novamente depois do mais longo período de democracia da historia brasileira, ainda não sabemos, mas os tempos agora são outros, a nação está dividida e pode ser que a aventura acabe mal, em violência ou jogando o país na vala das republiquetas condenadas a viverem eternamente de golpe em golpe. A Conferir!

O fato é que a receita dos golpes quase sempre teve e tem os mesmos ingredientes: Insatisfação popular, um caso de corrupção bem escabroso amplificado e turbinado pela mídia familiar e seus interesses oligárquicos, autoridades, juízes, promotores e policiais alçados à categoria de semideuses, grupelhos facistóides insuflando a população contra o comunismo, cuba, a política, etc... e contra tudo-isso-que-está-aí, seja lá o que isso signifique. Sob esta mistura aplica-se o glacê golpista-parlamentar e/ou militar e enfeita-se a coisa com alguma cereja-jurídica de ocasião para dar uma tosca aparência de legalidade e está pronto mais um golpe contra a democracia, com o incondicional beneplácito da elite autocrática brasileira. 

Mesmo conservadores como o Jurista  Cláudio Lembo, admite que  agora na américa latina, o impeachment tornou-se uma versão light para golpes e uma alternativa menos sinistra do que o golpe militar, mas ainda sim GOLPE!

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Ser ou não ser uma democracia !?


Agora não podemos mais nem falar que estamos parecendo o Paraguai porque já o ultrapassamos em matéria de absurdos políticos. Como pode um ladravaz, pego com a boca na botija com suas contas no exterior entre outras cositas, ser alçado à condição de acusador da presidenta Dilma  -que goste-se dela ou não-,  não tem contra si NENHUMA suspeita ou acusação de desonestidade?
Pesa contra ela ter ganhado a eleição com 51,64% dos votos totais, o que os adversários se negam a aceitar e desde então sabotam a governabilidade e empurram o país ladeira abaixo para voltarem ao poder como salvadores da pátria. Esta oposição canalha e golpista aliada à grande mídia partidarizada criou e alimentou a situação a que chegamos, que é ter um Calhorda chantagista ameaçando a democracia brasileira. Inacreditável!
Embora o STF tenha dado duas liminares sustando as iniciativas de impeachment pelas regras baixadas por Cunha, o ainda presidente da Câmara apertou um foda-se para o STF e assumiu os riscos que, para ele, já são nada agora sabendo que cedo ou tarde será liquidado. Sabe que só o golpe pode lhe dar uma sobrevida ao embaralhar tudo, o que também interessa a vários políticos com o rabo preso em todos os partidos. A confusão Interessa muito também ao PMDB, Michel Temer e Renan Calheiros & Cia... recentemente citados por Delcídio em gravação. Jogar no ventilador tonou-se conveniente para tirar essa turma toda do foco.
Cunha, antes louvado pelos Tucanos & Demos que o abandonaram quando caiu em desgraça, espera agora ser recompensado e acolhido novamente pela revoada tucana que embalada pelos avarandados sem noção, sonham em atirar o Brasil no abismo junto com a democracia. Nesta vendeta política e sanha golpista estão jogando o bebê junto com a agua suja da bacia, mas não estão nem aí, afinal os senhores de engenho e seus capitães do mato sempre fizeram isso e acham que está na hora de “repor as coisas” aos seus devidos lugares, porque esta coisa de acabar com a pobreza/fome já levou muito desconforto aos aquários sociais.
Dilma é inábil politicamente e aderiu ao credo neoliberal -programa de tucanos diga-se-, e por isso perdeu meu (nosso) apoio entusiástico mas não é por isso que vamos aceitar o desrespeito às regras do jogo e embarcar na aventura golpista de paralisar o país e inventar pretexto para depor quem foi legitimamente eleito. Para sermos uma democracia de prestígio mundial, precisamos abandonar o casuísmo e interromper a sequencia cíclica  de golpes civil, militar, híbridos, intercalados com pequenos espasmos democráticos, como tem sido a triste história política do nosso país e consolidarmos a democracia de fato. É isto que está realmente em jogo agora.

Publicado originalmente no Diário Da Manhã

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

SOBRE O FENÔMENO DOS TRABALHOS DE MERDA

Em 1930, John Maynard Keynes previu que até o final do século a tecnologia teria avançado o suficiente, para que países como a Grã-Bretanha ou os Estados Unidos implementassem a semana de trabalho de 15 horas. Existem muitas razões para acreditar que ele estava certo e no entanto isso não aconteceu. Ao contrário, a tecnologia foi sendo configurada de maneira a nos fazer trabalhar mais. No intuito de alcançar este objetivo, trabalhos efetivamente inúteis tiveram de ser criados. Exércitos de pessoas, na Europa e na América do Norte em particular, passaram vidas inteiras realizando tarefas que eles no fundo acreditavam serem desnecessárias. O dano moral e espiritual deste fato é profundo. É uma marca em nossa alma coletiva. No entanto, quase ninguém fala sobre isso.
Por que a utopia prometida por Keynes nunca se materializou? A resposta mais comum hoje é que ele não visualizou o aumento maciço do consumismo.Dada a escolha entre menos horas de trabalho ou mais brinquedos e prazeres, escolhemos os últimos. Isto pode parecer um bom conto moralista, mas um pouco de reflexão nos revela que não é bem assim. Sim, nós temos testemunhado a criação de uma variedade infinita de novos empregos e de novas indústrias desde os anos 20, mas muito poucas tem a ver com a produção e distribuição de sushi, iPhones ou tênis extravagantes.
Quais são esses novos postos de trabalho precisamente? Um relatório recente comparando o emprego nos Estados Unidos entre 1910 e 2000, nos dá uma boa ideia. No decorrer do último século, o número de “trabalhadores braçais” na indústria e no setor agrícola diminuiu drasticamente. Ao mesmo tempo, empregos como de gerentes, assistentes, vendedores e outros cresceram de um quarto para três quartos do emprego total. Em outras palavras, trabalhos produtivos foram largamente automatizados como previsto (ainda que você leve em consideração os trabalhadores da industria de maneira global, incluindo China e Índia, a porcentagem é muito menor do que costumava ser).
Mas em vez de permitir uma redução maciça da jornada de trabalho, para que a população mundial tivesse a oportunidade de correr atrás seus próprios projetos, prazeres, visões e ideias, temos visto um crescimento não só do setor de “serviços”, como do setor administrativo, incluindo a criação de novas indústrias como a de serviços financeiros ou telemarketing, ou a expansão sem precedentes de setores como direito corporativo, administração da saúde e acadêmica, recursos humanos e relações públicas. Esses números ainda não são suficientes para refletir esse contingente de pessoas cujo trabalho é prover apoio administrativo, técnico ou de segurança, pois existe toda uma cadeia de indústrias auxiliares (de petshops a pizzarias 24h) que só existem porque todo mundo está gastando muito tempo trabalhando nessa “nova” indústria.
Estes são os que proponho chamar de “empregos de merda.”
É como se alguém estivesse criando empregos inúteis apenas para nos manter trabalhando. Aqui precisamente reside o mistério. No capitalismo, isto é exatamente o que não deveria acontecer. Certamente foi o que aconteceu nos velhos e ineficientes estados socialistas da União Soviética, pois o emprego era considerado tanto um direito quanto um dever sagrado, onde o próprio sistema criou tantos empregos quanto considerava necessário (razão pela qual as lojas de departamento na União Soviética tinham até 3 funcionários para vender um pedaço de carne). Supostamente esse é um problema que a competição no mercado deveria corrigir. Pelo menos de acordo com a teoria econômica, a última coisa que uma empresa com fins lucrativos deveria fazer seria gastar dinheiro com trabalhadores que elas não precisam empregar. Ainda assim, de alguma forma isso acontece.
Se por um lado as corporações podem, de tempos em tempos, diminuir de tamanho drasticamente, os cortes e demissões normalmente recaem sobre aqueles que estão efetivamente se mexendo, ajustando, pensando e fazendo o negócio girar; através de uma estranha alquimia que ninguém pode explicar, o número de burocratas assalariados está se expandindo e um número cada vez maior de empregados encontra-se, não como os trabalhadores da União Soviética é claro, trabalhando 40 ou 50 horas por semana, mas efetivamente 15 horas como Keynes havia previsto, desde que passem o resto da semana assistindo, organizando e participando de seminários motivacionais, atualizando seus perfis no Facebook, ou fazendo downloads de séries.
A resposta claramente não é econômica: é moral e política. A classe dominante descobriu que uma população feliz, produtiva e com tempo livre disponível é um perigo mortal (pense no que ocorreu quando esse sonho se tornou possível nos anos 60). Por outro lado, o sentimento de que o trabalho é um valor moral em si, e de que qualquer um que não esteja disposto a se submeter a uma intensa disciplina de trabalho não merece nada, é extremamente conveniente.
Observando o crescimento aparentemente interminável das responsabilidades administrativas dos departamentos acadêmicos ingleses, eu tive uma possível visão do inferno. O inferno é um conjunto de indivíduos, que estão gastando a maior parte de seu tempo trabalhando em uma tarefa que eles não gostam e não são bons nela. Digamos que eles foram contratados porque eram excelentes marceneiros, mas depois chegaram a conclusão de que na verdade boa parte deles deveria passar a maior parte do tempo fritando peixe. O empregados então se tornam obcecados e ressentidos ao pensar que alguns de seus colegas de trabalho possam estar gastando mais tempo fazendo armários e não compartilhando a justa responsabilidade de fritar peixes. Em pouco tempo, pilhas de peixe frito ruim se acumulam e isso é tudo o que eles realmente fazem.
Todos os argumentos que eu venha a usar vão suscitar imediatamente as seguintes objeções: “quem é você para dizer quais trabalhos são realmente ‘necessários”? O que é ‘necessário’ afinal? Você é um professor de antropologia, qual a ‘necessidade’ disso?” (leitores de tabloides certamente caracterizariam o meu trabalho como a definição de desperdício de gastos sociais). Em algum nível, isso obviamente é verdade. Não deve existir nenhuma métrica objetiva de valor social.
Eu não me atreveria a convencer alguém, que acredita que está fazendo uma contribuição importante para o mundo, do contrário. Sobre as pessoas que estão convencidas de que seus trabalhos não fazem sentido, o que podemos dizer? Não faz muito tempo eu voltei a ter contato com um amigo do colégio que eu não via desde os doze anos. Fiquei encantado em descobrir que nesse tempo ele se tornou um grande poeta e vocalista de uma banda de indie rock. Eu já tinha ouvido algumas de suas músicas no rádio sem saber que eu o conhecia. Ele era obviamente brilhante, inovador, e seu trabalho tinha sem dúvida iluminado e melhorado a vida de muitas pessoas. No entanto, depois de dois álbuns que não tiveram sucesso ele perdeu o contrato. Atormentado com dívidas e um filho recém-nascido, acabou “escolhendo a opção de muitos que não sabem o que fazer da vida: direito”. Agora ele é um advogado corporativo que trabalha em uma firma proeminente em Nova Iorque. Ele admitiu que seu trabalho é totalmente sem sentido, que não contribui em nada para o mundo e em sua própria avaliação não deveria existir.
Existem muitas questões que poderíamos fazer, por exemplo: o que dizer de uma sociedade que parece ter uma demanda extremamente limitada por músicos-poetas, mas aparentemente uma demanda infinita por especialistas em leis corporativas? (Resposta: se 1% da população controla a maior parte da riqueza disponível, o que nós chamamos de “mercado” reflete o que eles acham útil ou importante, não qualquer outra pessoa). Isso mostra, que a maioria das pessoas que ocupam esses cargos, estão em última análise cientes disso. De fato, eu não me lembro de ter conhecido um advogado corporativo que não considere seu trabalho um trabalho de merda. O mesmo vale para quase todas as novas indústrias citadas acima. Existe toda uma classe de assalariados que você irá encontrar em festas. Diga que você faz um trabalho interessante (um antropólogo por exemplo). Eles vão evitar em falar sobre seus próprios trabalhos. Ofereça alguns drinks e em pouco tempo eles farão discursos sobre como seus trabalhos são estúpidos e inúteis.
Temos aqui uma violência psicológica profunda. Como alguém pode sequer começar a falar sobre dignidade no trabalho quando se pensa que o emprego do outro não deveria existir? Como isso pode não criar uma profunda sensação de raiva e ressentimento? No entanto, essa é a genialidade um tanto peculiar da nossa sociedade, onde os que ditam as regras descobriram uma maneira, no caso dos fritadores de peixe, de se certificarem de que essa raiva fosse direcionada diretamente para aqueles que fazem o trabalho que importa. Por exemplo: em nossa sociedade parece existir uma regra geral onde quanto mais o seu trabalho beneficia outras pessoas, menos remuneração você receberá. De novo, uma medida objetiva é difícil de encontrar, mas para entender basta perguntar: o que aconteceria se toda essa classe de pessoas simplesmente desaparecesse? Diga o que quiser sobre enfermeiras, catadores de lixo, mecânicos, mas se eles desaparecessem do nada, os resultados seriam imediatamente catastróficos. Um mundo sem professores ou estivadores estaria em apuros, e mesmo um mundo sem escritores de ficção científica ou sem músicos de skaseria certamente um mundo pior. Não está exatamente claro que tipo de problema a sociedade teria se todos os CEOs, lobistas, pesquisadores de relações públicas, atuários, operadores de telemarketing, oficiais de justiça ou consultores jurídicos desaparecessem. (Muitos suspeitam que poderia melhorar muito). Tirando alguma exceções (como por exemplo médicos), a regra parece fazer sentido.
De maneira ainda mais perversa, parece existir um consenso de que é assim que as coisas devem ser. Esse é um dos pontos fortes do populismo de direita. Perceba como os tabloides mostram os dentes quando funcionários do metrô param Londres por conta de negociações salariais: eles param Londres porque seu ofícios são necessários, mas isso parece incomodar as pessoas. Isto é ainda mais claro nos Estados Unidos, onde os Republicanos tiveram sucesso notável na tarefa de mobilizar o ressentimento contra os professores, trabalhadores da indústria automobilística (mas não contra os administradores das escolas ou gerentes das indústrias automobilísticas, que de fato parecem ser a fonte dos problemas) por causa de seus salários e benefícios supostamente elevados. Como se eles estivessem dizendo “mas vocês são professores! Ou fazem carros! Precisam arrumar empregos de verdade! Vocês esperam aposentadoria e planos de saúde de classe média?”
Se alguém tivesse inventado um regime de trabalho perfeitamente adequado à manutenção do poder do capital financeiro, dificilmente conseguiria obter um maior êxito. Os trabalhadores “reais” e produtivos são implacavelmente explorados. O restante está dividido entre uma porção aterrorizada (universalmente demonizada) de desempregados e uma outra que é basicamente paga para não fazer nada, em postos de trabalho criados para a identificação com as perspectivas e sensibilidades da classe dominante (gerentes, administradores, etc) — e particularmente com seus avatares financeiros — mas, ao mesmo tempo, promovem um ressentimento feroz contra aqueles que realizam um trabalho que tem inegavelmente um valor social. Obviamente, o sistema nunca foi conscientemente construído. Ele emergiu de quase um século de tentativa e erro, mas é a única explicação que encontrei, pela qual a despeito de nossas capacidades tecnológicas, nós não estamos trabalhado 3 ou 4 horas por dia.
David Graeber é professor de antropologia da London School of Economics.

Tradução livre de Ivan LP. Artigo publicado originalmente na revista Strike.

Publicado originalmente em https://medium.com/@vertigens/sobre-o-fen%C3%B4meno-dos-trabalhos-de-merda-3dc505ef1d01#.w6cvmjgln

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Fechamento de Escolas Estaduais

Leio agora de manhã sobre o mandado de reintegração de posse de escolas protegidas por estudantes e pensei; Não seria o contrário? Não seriam os estudantes que estão tentando executar a reintegração de posse dos colégios de São Paulo e assim assegurar sua função social, como espaços de ensino? O invasor de fato não seria o (des) governo de São Paulo que pretende “economizar” (justamente com educação) fechando escolas num país em que a educação pública é desde sempre relegada, já que a classe social dos governantes frequentam escolas particulares? Bem, quem não pode pagar que se dane não é? Lembremos-nos disso na próxima eleição quando políticos caras-de-pau aparecerem na TV dizendo que a educação é a prioridade...

quarta-feira, 22 de julho de 2015

O emburrecimento do Brasil


Comentario que fiz em relação ao imperdível texto do Regis Tadeu:  Até alguns anos atrás, logo após a redemocratização a gente costumava acreditar que em 30 anos o Brasil seria transformado como aconteceu com a Coreia, mas passados os 30 anos, nada aconteceu e em certos aspectos regredimos: Hoje o Brasil apesar de continuar a ser a 7ª economia mundial, está mergulhado na obscuridade mental e imerso no ódio estúpido, na breguice, na sexualização precoce, no assassinato sistemático dos LGBT´s, na música lixo e segue a lista... 
A classe dirigente, (que é a elite do país e mais classe merda) que deveria impulsionar o desenvolvimento é ainda em sua grande maioria atrasada/colonialista e emperra e/ou sabota qualquer tentativa de redução da desigualdade e/ou avanços tendo como arma a grande mídia familiar/hegemônica e a religiosidade. Então quando surge uma fagulha, um alento de sobriedade como a tentativa de implantar ciclovias, regulamentar a união de pessoas do mesmo sexo ou corredores exclusivos para transporte público, etc, o governante já é esculachado e xingado de comunista, gay, aborteiro, ladrão, etc... pois o que acham chique na Zoropa, combatem aqui porque tem ainda a mente de senhor de engenho... Afff!
Enquanto os vizinhos do Brasil já debatem soluções para temas espinhosos como o casamento gay, descriminalização de drogas, aborto, a tolerância, a boa convivência entre os contrários, etc., aqui estamos na contramão do mundo enaltecendo o extermínio dos “maconheiros, veados, aborteiros, comunistas, mendigos, índios, menores”... etc., por trás do discurso-disfarce idiotizante e religioso de defesa dos “valores” e da família tradicional com o apoio das bancadas do boi, da bala e da bíblia que juntas dão o tom retrógrado. Emoldurando este quadro séptico, temos som desse sertanojo que infesta cada fresta desse Brasil, tipo Luan Santana, “barabará bereberê”, "tche tche rerê tetê" e segue ladeira abaixo com a redução da maioridade penal, as tentativas de derrubar da presidente eleita e o discurso pseudo-moralizante para manter o país na idade média e os pobres longe dos aeroportos e shopping Centers.
Então a música de certo modo apenas reflete esse momento sinistro, reacionário, obtuso e até de desumanização do povo brasileiro pelo emburrecimento geral. O Brasil ficou mais Luan Santana e menos Caetano. Esta é atriste verdade. Na minha percepção, além do emburrecimento e da vulgarização, estamos ficando também mais violentos e trocando a compaixão pela indiferença.
Não acho que vamos desenvolver e nem melhorar em mais 30 ou 50 anos. O País não é pequeno como a coreia ou Cingapura e as complexidades são tantas... e então quando vemos um congresso tão medíocre como o atual cujo presidente se esmera em criar o dia do “orgulho hétero”, dá vontade de mudar para Benin.
Como disse Tom Jobim certa vez, “o Brasil não é para iniciantes

segunda-feira, 6 de julho de 2015

O golpismo maquiado

Até bem pouco tempo atrás era inimaginável que poderia haver quebra da legalidade e a democracia brasileira parecia relativamente madura tanto que, quando houve golpe branco no Paraguai para a deposição do presidente Lugo, vimos aquilo com uma certa tristeza pela debilidade política do vizinho, mas como no dito popular, nada como um dia após o outro, o inimaginável se materializou aqui e agora -pasme-, é o Brasil que flerta perigosamente com a “debilidade” afastando-se de ser uma democracia madura, lembrando mais uma república de banana com suas reviravoltas políticas de tão triste memoria na crônica política do continente.
Ressentidos até a medula com a derrota nas últimas eleições (ainda por cima para uma mulher), políticos irresponsáveis aliados à mídia familiar deram curso a um 3º turno sem fim para depor a presidente eleita. Para isso o PSDB passou até a votar “suicidamente” contra seu próprio programa somente para inviabilizar a governança num vale tudo sem precedentes, turbinando um ódio insano e ações coordenadas com capilaridade em vários órgão públicos que inclusive, municiam setores reacionários da imprensa engajados no projeto golpista que conta também com representantes escamoteados aqui e acolá em vários partidos descontentes com suas participações no butim.
Ajudados pela mídia gorda, os golpistas utilizam-se da técnica de criminalizar os adversários, para criar e inflar uma situação limite, instrumentalizando os analfabetos políticos agora apelidados de “a nova direita” requentando o caldo ditatorial que sobrevive dormente, como um substrato miserável na alma de alguns infelizes odientos que desconhecem limites, esquecendo-se de que ao contrario de 1954 quando criaram o mar de lama para derrubar Getúlio, temos desta vez a internet para fazer contraponto às mentiras e tramas para maquiar o golpe em marcha, com aparência de legalidade.
Resta-nos, pois ir para as ruas contra a quebra da legalidade democrática e fortalecer a ideia de respeitar o resultado das eleições, evitando a sabotagem atual a qual estão submetendo o país.
Querem governar o país? Que se prepararem e se habilitem para ganhar as próximas eleições e abandonem a velha tática golpista de ganhar no tapetão.

sábado, 4 de julho de 2015

Às Claras

O ano passado o assunto foi a copa e consequentemente o fracasso que seria bla,bla... Agora é a operação lava jato que já ceifou 14 mil empregos nos estaleiros, e segundo projeções de economistas isentos e até psdbistas já causou 200 bilhões de prejuízos a economia do país e é oque deve continuar a ser a "atração novelística" da vez -sim porque parece que nada mais acontece no mundo-.
Enfim, QUEM define a pauta e o que vai ser noticia/espetáculo no Brasil?  Porque até hoje ninguém sabe quem é o dono do Jatinho que matou Eduardo campos? ...ou porque sumiu do noticiário rapidamente o caso rumoroso de um helicóptero carregado com meia toneladade cocaína? E a operação zelotes que trata dos desvios na receita federal que envolve cifras e valores astronômicos que faz da lava jato troco de pinga, mas também não deu ibope e sumiu da telinha!? ..., e de novo “quem” pauta  os corações e mentes do povo brasileiro??? A quem interessa a crise? Quem ganha com ela e quem fatura com a fragilização da Petrobras entre outras cositas? Porque a reforma política que propunha acabar com as doações privadas para campanhas políticas foi derrubada e o único partido (PT) que votou integralmente contra as doações de campanha é justamente o que é pautado diuturnamente como o mais corrupto!? Com que propósito?
A organização Às Claras.Org divulgou o mapa das contribuições que parece intrigante, né não!?

sexta-feira, 12 de junho de 2015

TRAGÉDIA !

Redes sociais deram voz a legião de imbecis, diz Umberto Eco

"Normalmente, eles [os imbecis] não tinham espaço para dar vazão á sua imbecilidade ou eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel",

Crítico do papel das novas tecnologias no processo de disseminação de informação, o escritor e filósofo italiano Umberto Eco afirmou que as redes sociais dão o direito à palavra a uma "legião de imbecis" que antes falavam apenas "em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade".
A declaração foi dada nesta quarta-feira (10), durante o evento em que ele recebeu o título de doutor honoris causa em comunicação e cultura na Universidade de Turim, norte da Itália.
"Normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel", disse o intelectual.
Segundo Eco, a TV já havia colocado o "idiota da aldeia" em um patamar no qual ele se sentia superior. "O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade", acrescentou.
O escritor ainda aconselhou os jornais a filtrarem com uma "equipe de especialistas" as informações da web porque ninguém é capaz de saber se um site é "confiável ou não".
Fonte:http://noticias.terra.com.br/educacao/redes-sociais-deram-voz-a-legiao-de-imbecis-diz-umberto-eco,6fc187c948a383255d784b70cab16129m6t0RCRD.html

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Thomas Piketty mata a cobra e mostra o pau!

"A dívida pública é uma piada. A verdadeira dívida é com o capital natural"

A degradação do capital natural é um risco muito maior. Esta é a verdadeira dívida. A 'dívida pública' com que nos enchem os ouvidos é uma piada!


Enquanto o desemprego atinge recordes em alguns países europeus, evidenciando o fracasso da política neoliberal, o economista Thomas Piketty lembra que a desigualdade tem um papel central na situação atual. Ele critica vigorosamente os pregadores do crescimento infinito e conclama a uma refundação do pensamento econômico que leve em conta o "capital natural".
 
Qual a principal inspiração do seu livro O Capital no século XXI?
 
Meu trabalho desconstrói a visão ideológica de que o crescimento levaria automaticamente à diminuição da desigualdade. O ponto de partida da pesquisa foi a coleta, numa escala até então inédita, de dados históricos de rendas e patrimônios. No século 19, os economistas davam muito mais ênfase à distribuição de renda do que seus congêneres viriam a fazer a partir do meio do século 20. Mas, no século 19, havia poucos dados disponíveis. E até recentemente, este trabalho não tinha sido realizado de forma sistemática como fizemos, cobrindo dezenas de países, e mais de um século. Isso muda muito a perspectiva.
 
Nas décadas de 1950 e 1960, a visão dominante, e muito otimista, expressa sobretudo pelo economista Kuznets, era que uma redução espontânea da desigualdade ocorreria nos estágios avançados de desenvolvimento industrial. Kuznets tinha, de fato, constatado, em 1950, uma redução da desigualdade em comparação com 1910. Estava relacionada com a Primeira Guerra Mundial e a crise da década de 1930. E Kuznets sabia disso. Mas, na atmosfera da Guerra Fria, havia a necessidade de encontrar explicações otimistas – dirigidas especialmente aos países em desenvolvimento: "Não se tornem comunistas! O crescimento e a redução da desigualdade andam de mãos dadas, é só esperar".
 
Mas vejamos: nos Estados Unidos e nos países desenvolvidos, a desigualdade encontra-se hoje em níveis muito elevados, equivalentes àqueles que Kuznets havia medido em 1910. Meu trabalho destrincha estas mudanças, a partir do fato de que não há uma lei econômica inexorável que conduz nem à redução da desigualdade nem ao seu aumento. Há um século, os países europeus eram mais desiguais do que os Estados Unidos. Hoje é o oposto. Não há determinismo econômico.
 
Você enfatiza a importância da classe média. É ela que permite a aceitação do aumento na desigualdade?


O desenvolvimento desta "classe média patrimonial" é provavelmente a maior transformação ocorrida em um século. Os 50% mais pobres da população nunca possuíram patrimônio e não possuem quase nada hoje. Os 10% mais ricos que, há um século, tinham tudo, ou seja, 90% ou mais do patrimônio, possuem hoje 60%, na Europa, e 70% nos EUA. O que continua a ser um nível muito alto de concentração.
 
A diferença é que, hoje, 40% da população, que há um século eram tão pobres quanto os pobres, viram sua situação se transformar em um século: este grupo central possuía, na década de 1970, até 30% do patrimônio total. Mas isso tende a diminuir, e hoje estamos mais próximos de 25%. Enquanto os 10% mais ricos continuam a ver sua riqueza aumentar.
 
O fato de este bloco central ver sua situação piorar explicaria o aumento das tensões sociais?
 
Sim. Pode surgir um questionamento generalizado de nosso pacto social quando muitos membros da classe média patrimonial sentem estar perdendo direitos, enquanto os mais ricos conseguem obter mecanismos de solidariedade. O risco é que grupos cada vez maiores acabem optando por soluções mais egoístas, de cunho nacional, incapazes de taxar os mais ricos. Um dos reflexos mais preocupantes é esta necessidade das sociedades modernas de dar sentido às desigualdades de força irracional para tentar...
 
Legitimar...
 
... Justificar a herança ou a captação de rendas – ou o poder, simplesmente. Quando os diretores de empresas destinam a si mesmos dez milhões de euros por ano, dizem fazê-lo em nome da produtividade. Os ganhadores explicam aos perdedores que as decisões são tomadas visando ao interesse de todos. Só que é muito difícil encontrar qualquer prova de que haja algum benefício comum em remunerar os diretores com dez milhões em vez de um milhão por ano.
 
Hoje, o discurso de estigmatização dos perdedores é muito mais violento do que há um século. Ao menos antigamente ninguém tinha o mau gosto de explicar que as domésticas ou os pobres em geral eram pobres por sua própria falta de mérito ou capacidade. Eram pobres porque eram.
 
Era a ordem social.
 
Uma ordem social que se justificava pela necessidade de haver uma classe que pudesse se concentrar em algo além da sobrevivência, e se dedicar a atividades artísticas, militares etc. Não digo que esta justificativa era correta, mas exercia menos pressão psicológica sobre os perdedores.
 
Estes perdedores, essa classe média central, pode escorregar para um ensimesmamento, nos moldes do discurso da extrema direita?
 
Claro. Este é o principal risco, e a Europa deve ficar atenta para o regresso aos egoísmos nacionalistas. Quando não conseguimos resolver os problemas sociais de forma tranquila, a tentação é colocar a culpa no outro: trabalhadores imigrantes, gregos preguiçosos etc.
 
Um aspecto importante de seu trabalho é como trata o "crescimento" econômico, destacando que taxas de crescimento elevadas, da ordem de 5% ao ano, são historicamente excepcionais.
 
Nós devemos nos acostumar a um crescimento estrutural lento. Até mesmo uma taxa de 1% ou 2% ao ano implica a invenção de fontes de energia que, por enquanto, não existem.
 
Sem energia abundante, não há possibilidade de crescimento de 1% ou 2%?
 
Haverá um momento em que não será mais possível. Desde a Revolução Industrial, entre 1700 e 2015, o crescimento mundial foi de 1,6% ao ano, metade disso em função do crescimento da população (0,8%) e a outra metade (0,8%), do PIB per capita. Isto pode parecer ridiculamente baixo para quem imagina que não é possível ser feliz sem uma retomada do boom do pós-segunda guerra, quando o crescimento era de 5% ao ano. Mas o crescimento de 1,6% ao ano durante três séculos multiplicou por dez a população e o nível de vida médio porque, acumulado, é realmente um crescimento enorme. E a população mundial passou de 600 milhões, em 1700, para sete bilhões hoje.
 
Poderíamos ser mais de 70 bilhões daqui a três séculos? Não se sabe se é desejável ou possível. Já a possibilidade de o padrão de vida melhorar dez vezes é pura abstração.
 
A revolução industrial no século 19 fez a taxa de crescimento passar de próximo de 0%, nas sociedades agrárias pré-industriais, para 1% ou 2% ao ano. Isto é um salto extremamente rápido. E só em fases de reconstrução acelerada após guerras, ou de recuperação de um país em relação a outros, alcança-se uma taxa igual ou maior que 5% ao ano.
 
Os políticos, a maioria de seus colegas economistas e os jornalistas econômicos, todos ainda esperam a retomada de um crescimento de 2% ou 3% ao ano, e alguns sonham até com 6% ou 7% na China.
 
Diante da história de crescimento, afirmar que não há felicidade possível sem retomar níveis de 4% ou 5% de crescimento ao ano é simplesmente um absurdo.
 
No entanto, você usou o termo "forte crescimento" em um artigo assinado com economistas alemães e ingleses.
 
Para mim, 1% ou 2% é um crescimento alto! Em uma geração, é um crescimento muito, muito forte!
 
Em 30 anos, um crescimento de 1% ou 1,5% ao ano significa que a atividade econômica aumentará em um terço ou 50% a cada geração. É uma taxa de renovação da sociedade extremamente rápida. Para que todos possam ter um lugar em uma sociedade que se renova a este ritmo, é preciso um sistema de educação, qualificação e acesso ao mercado de trabalho extremamente bem adaptado. Nada a ver com uma sociedade pré-industrial onde, de uma geração para a outra, a sociedade se reproduz de forma quase idêntica.
 
Por outro lado, a ideia de que nenhum crescimento mais é possível também me parece perigosa. Se reproduzido ao longo de gerações, é um processo bastante assustador, é o fim da humanidade.
 
Esta capacidade de crescimento demográfico reduzida a zero ou a taxas negativas reforça a importância da riqueza acumulada. Isso nos recoloca em uma sociedade de herdeiros, o que a França conheceu de forma bem acentuada no século 19, com a estagnação da população.
 
Faz sentido continuar a falar de crescimento do PIB quando a economia tem um enorme impacto sobre o meio ambiente?
 
Melhorar a avaliação e valorização do capital natural é uma questão central. A degradação do capital natural é um risco muito maior do que qualquer outro. Esta é a verdadeira dívida. A 'dívida pública' com que nos enchem os ouvidos é uma piada! É um mero jogo de palavras em que parte da população paga impostos para pagar juros a outra parte da população. O problema real é que não estamos em dívida com Marte, mas com o planeta Terra.
 
Já tivemos dívidas públicas igualmente importantes, no passado: equivalia a 200% do PIB em 1945, e a inflação acabou com ela. Foi o que permitiu que a França e a Alemanha voltassem a investir nos anos 50-60, e financiar a infraestrutura e a educação. Se tivéssemos que pagar essa dívida com os superávits primários – como hoje pedimos que a Grécia faça – estaríamos pagando aquela dívida até hoje.
 
Portanto, a dívida pública é um falso problema, porque os patrimônios financeiros, imobiliários e as mercadorias cresceram muito mais do que a dívida pública. Este aumento de produtos no mercado é muito mais importante do que a dívida pública, que pode ser eliminada com uma canetada.
 
No entanto, um aumento de 2° C na temperatura do planeta em 50 anos não é apenas um jogo de palavras. E hoje não dispomos de nada para resolver o problema do custo imposto ao capital natural.
 
Faz sentido um PIB que não integra o capital natural?
 
O PIB nunca faz sentido. Sempre utilizo o conceito de Renda Nacional: para passar do PIB à Renda Nacional, é preciso tirar a depreciação do capital. Se um país foi destruído por uma catástrofe, e todo o país estiver empenhado em reparar o que foi destruído, você terá um PIB extraordinariamente alto, enquanto a Renda Nacional será muito baixa.
 
É preciso levar em conta o que foi destruído, contabilizar o capital natural. Contabilizar o que é criado sem deduzir o que foi destruído é estupidez.
 
Por que não há mais trabalhos sendo feitos sobre esta contabilidade do capital natural?
 
Tentamos expandir a base de dados de Capital Mundial (World capital data base) para incluir o carbono, com pesquisadores do IDDRI (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais), entre outros. Mas você tem razão: por enquanto, não é um assunto suficientemente estudado. Nossas categorias de análise permanecem profundamente marcadas pelo boom do pós-guerra e pelo ideal de crescimento infinito.
 
O capital é muito poderoso: detém enorme poder político e os meios de comunicação. Estamos em um impasse?
 
Tendências passadas sugerem que as coisas podem mudar mais rápido do que imaginamos. A história da desigualdade, da renda, da riqueza e dos impostos é cheia de surpresas. O que vai acontecer ainda é totalmente incerto, e temos vários futuros possíveis. Além disso, há diferentes maneiras de resolver estes problemas: de forma mais ou menos rápida, mais ou menos justa e mais ou menos cara.


Tradução de Clarisse Meireles


Fonte: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Thomas-Piketty-A-divida-publica-e-uma-piada-A-verdadeira-divida-e-com-o-capital-natural-/7/33684