terça-feira, 21 de janeiro de 2020

UMA FOTO REDESCOBERTA


Meu pai contava que uma das maiores tristezas de sua infância se deu na fazenda em que nasceu  quando sua amiga -uma cadela dele-, que se chamava Campina, pariu seis cachorrinhos  e ele ficou encantado com os bichinhos, mas como meu avô não queria a proliferação de animais em volta do curral ordenou que ele se livrasse deles, atirando-os  todos no rio imediatamente e ele contava que à medida que ele entre lágrimas atirava-os na correnteza, a cadela se jogava na água desesperadamente, nadava e os trazia de volta para a margem sucessivamente e ele então tinha que devolver os bichinhos para a correnteza leva-los, até que vencida pela exaustão  a cadela perdeu a ninhada por afogamento e ele aos prantos se dividia entre o cumprimento da ordem patriarcal e o sentimento de impotência, maldade e traição com sua Campina, mas cumpriu a missão. De outro modo seria um “mariquinhas” ou levaria uma surra...

Conheci meu avô e ele em nada se parecia com uma pessoa cruel. Atribuo a isso à uma época e uma cultura onde os animais não eram considerados seres importantes e ao pragmatismo da dura subsistência da vida no campo nos lá pelos anos 1930/40...

Agora durante as férias de fim de ano em visita ao meu irmão Herculano, encontrei na casa dele uma foto da minha infância onde está o Tifú que foi o único cãozinho da minha infância-adolescência e me lembrei que meu pai me encarregou de exterminar com um tiro na cabeça, quando estava irrecuperavelmente doente, mas só me deu uma bala e pelo nervosismo eu não consegui o tiro perfeito e como ele estava agonizando e sofrendo e eu não tinha mais munição, desesperado passei a picape-rural por cima dele várias vezes num descampado para acabar com aquele sofrimento e cumprir minha missão.

Mais de quatro décadas se passaram e eu nunca me recuperei daquele olhar do tifú para o cano do rifle enquanto eu fazia a mira, ao cair da noite num campo baldio com mata rala e daquela merda toda que se seguiu...

Certa vez ao falar dessa tragédia que me atormenta com meu terapeuta, ele foi ás lágrimas e tive quase um arrependimento daquela sessão, pois o terapeuta ficou com uma ideia errada do meu pai, que também era um homem bom, mas forjado na rudeza da vida rural e na violência que infelizmente repassou.

De lá pra cá muita coisa mudou na maneira de encarar os demais seres que dividem o planeta com a gente, mas há muito espaço para melhorar. Andando pelo interior neste mês, vi muito cachorro enjaulado, acorrentado, abandonado, escorraçado e pouco considerados...

Um comentário:

Indra disse...

Ri, quanta verdade e quanto sofrimento. Eu não faço ideia do que é ter que exterminar outro ser e cumprir uma missão. Se cumprir a missão é mais importante e mais forte do que descumpí-la e afrontar as consequências. Fiquei pensando nos holocaustos judeus, negros, indígenas. Quantos não fizeram o mesmo. Me desculpe. Preciso diregir o que acabo de ler.