sábado, 13 de fevereiro de 2021

divagações na boca da noite

Acordei meio catatônico... às 17:54 e sentindo como se estivesse sozinho numa prisão,  privado de outros humanos e comecei a pensar nessa contradição de ser gregário que me acompanha e em certa medida atormenta.

Sempre que estou lendo, assistindo documentários, filmes etc, ou sabendo de alguma coisa nova, intrigante, etc, eu tenho um incontrolável desejo de dividir com alguém... receber um feedback, mas isso nem sempre é possível. Em parte, por vezes, não ter por perto pessoas que estejam interessadas “naquilo” e por outro lado quando há pessoas no entorno,  elas muitas vezes são do tipo (cloroquina) que dizem que astrologia é ciência, adeptas de teorias da conspiração -insuportáveis-, ou querem transformar tudo em debate superficial ou disputa de egos quando você só queria dividir, ou partilhar um fato ou a angustia trazida por aquela descoberta astronômica, uma tirada engraçada de Philip Roth, do Miró, do Machado ou uma memória do Discovery, History Channel, um som bacana do Toninho Horta, um design de uma poltrona, whatever e, não rola..., simplesmente não "acontece" na maior parte do tempo.

Hoje liguei pro meu irmão para falar sobre varias coisas e comentei sobre o assustador desaparecimento repentino do Mar de Aral que vi na BBC, porque sei que ele se interessaria e em muito acrescentaria porque é um curioso geológico e assim foi, mas é cada vez mais raro encontrar interlocutor e desconfio que o problema esteja comigo.

As vezes acontece de encontrar alguém com curiosidade, mas no mais das vezes sinto cada vez mais dificuldade de achar interlocução e deriva daí um quase vazio na alma e um tipo de silenciamento e distanciamento doloroso e progressivo. Acho que é isso que chamam de envelhecer e que vai dando uma vontade de ficar cada vez mais só com nossas próprias digressões sobre tudo que há.

Por alguma razão que não consigo entender, atualmente multiplicam-se as pessoas que só querem narrar o seu dia desinteressante -como é também o meu e da maioria dos mortais-, ou aderir a temas da moda, o que me dá vontade de tirar a vida da criatura, já que não dá pra pagar um terapeuta.

Não acho que a minha prosa seja melhor ou pior, acho apenas que estou na crise do envelhecimento e a curiosidade existencial vai ficando mais exacerbada, como o inesquecível Silva  personagem do fantástico romance “Fabrica de Espanhóis" de Valter Hugo Mãe que uma grande amiga me apresentou recentemente e que lavou minha alma nesse sentido.

Agora mesmo ando lendo Philip Roth e gostaria imensamente de falar a respeito e rir um pouco da nossa miséria humana especialmente em tempos de Covid. Acho que se ele tivesse vivo poderia escrever algo genial sobre esta comédia atual de horrores humanos.

As vezes queria ser como o Zé, meu gato (animal de estimação q. fique claro) ou uma capivara daquelas que perambulam pelo parque Tietê, sem maiores indagações, sabe!? Parecem seres etéreos vagueando entre o cotidiano e o instintivo apenas. Livres da percepção de ser  contingente e finito...

Neste momento aliás, o Zé está mordendo a minha perna pra chamar atenção porque assim como eu, ele também quer compartilhar algo e  ainda não pude parar pra falar com ele e de repente comecei a sentir o poderoso -ou fuderoso- cheiro de xixi dele. Não localizei nada ainda, mas desconfio que esse filho da puta mijou em algum lugar indevido para chamar atenção.

Bem, voltando ao assunto, hoje a minha namorada foi pra praia e pela primeira vez eu não quis ir. Achei que seria bom ter mais tempo para ler e apaziguar o espírito, ouvir minha própria voz interior, o silêncio, organizar umas coisas e pôr o pensamento em ordem, essas coisas que o Jô Soares chamaria de viadagem, antes da instalação das patrulhas, claro.

Almocei sozinho, falei com o Zé, li um pouco,  peguei no sono, despertei e depois troquei ideias com a Judith sobre o mercado editorial, adormeci novamente, li mais um pouco, falei com minha mãe, uma amiga de Itacaré e voltei a alternar leitura e soneca num ciclo preguiçoso e despreocupado.

Acordei agora a pouco por volta das 18:00hs, com má digestão, dor no peito pelos gases, meio down e subitamente me peguei pensando sobre a morte que campeia solta por aí e comecei a pensar na minha própria, o que tem acontecido muito a cada pigarro que já associo à covid e o fim eminente, engrossando os números macabros da globonews ao fim da noite. Afff!

Fui tomar um banho e pensando no que aconteceria se eu desabasse agora sob o chuveiro aberto, e fosse encontrado dias depois como aconteceu a pouco com o Ratinho no Copan.

Com a minha namorada longe, acredito que pelos próximos 5 ou 10 dias talvez ninguém me procure ou se procurar e não obtiver resposta, também não vai se incomodar a ponto de arrombar a porta.

O Zé coitado poderia beber agua do vaso sanitário por alguns dias, mas em algum momento iria sentir muita fome e começaria a miar, mas quem dá ouvidos a miados...

Então fiquei com um pouco de falta de ar e com vontade de sair para a rua, ver gente, tomar um trago, me sentir vivo e me livrar daquela sensação de ter uma bola de cabelo no estômago e então pensei, mas sair pra onde em tempos de pandemia?  Não fosse isso eu iria até a esquina entraria no primeiro boteco e arrumava conversa com alguém ou o garçom rs... Aliás por falar nisso, a Love Story fechou/faliu ontem, morreu de covid. Que tristeza!

Tentei voltar à leitura novamente mas minha mente estava povoada dessas especulações sobre a minha própria morte aqui e agora, visualizei a estupefação entre os amigos, as burocracias da finalização de uma vida, as milhares de coisas e objetos para trás... história de uma existência... brrr

Visões me vieram à mente como o exame necroscópico, a cremação, as pessoas se dispersando depois... um e outro retardatário incrédulo comentando o velório e a partir desse ponto, minha memória entre os vivos começaria a desvanecer lentamente, episódios seriam descritos de forma cada vez mais distorcida pelos esquecimentos, meu nome seria cada vez menos pronunciado, meu aniversário lembrado por um número minguante de pessoas e tudo que existiu, e fez sentido por um breve período seria vaporizado em pouco tempo assim como as roupas, objetos variados, cartas, livros, discos, fotos, pedaços de vida... que teriam que ter destinação que ninguém sabe direito qual.

Ainda pensei; será que as pessoas sairiam dali para comer um virado a paulista (com torresmo extra) em minha homenagem? ...cumprindo o ritual de quase todas as culturas em que  comer após o cerimonial de despedida de alguém, funciona como uma “celebração antropofágica destinada a reafirmar os direitos da vida sobre a morte!?”

Ri um pouco sozinho agora pensando nos torresmos extras (que meu cardiologista proibiu semana passada) e voltei para a outra questão; Quanto tempo demora para que todo vestígio deixado por alguém desapareça de vez?

Lembro que em 2007 minha mãe veio conhecer São Paulo e fui caminhar pelo centro histórico com ela e a cada  travessa, ela desfiava tudo sobre cada personagem que dava nome às ruas, conforme andávamos, com sua memória prodigiosa e eu pensava, poxa preciso virar nome de rua, é a única maneira de não desaparecer e ri novamente sozinho assaltado pela lembrança daquele dia.

Lembro de Deus -como solução-, essa nossa invenção mágica para dar sentido ao que não tem, mas isso já é outra conversa.

Bem, acho que vou tomar um willian lawson, porque a noite será longa e de vigília contra a morte, essa senhora inexorável...

Invejo as pessoas que não tem contato com seus demônios, dormem cedo e não tem nenhum pensamento além daqueles ligados puramente a sobrevivência e à própria fisiologia e vivem bem assim como as capivaras.

Conclusão: A solidão só é boa quando é assistida. Essa solidão que ninguém te liga ou lembra que você existe, não presta não.

R. R. 13.02.2021 20:32

A SENHORA E A MORTE - ANIMAÇÃO. 

(se o vídeo não carregar automaticamente clique aqui




7 comentários:

Edu disse...

Pois é, Ricardo, meu amigo... Compreendo muito bem esse seu sentimento de solidão, agravado agora por essa mortalha existencial que é essa pandemia. Afinal, estamos a viver essa passagem de dias e dias sem o encontro, sem a reunião dos amigos. Acredito que só podemos ter noção de nós mesmos quando somos pontuados pelos que estão a nossa volta. Buscar uma existência apenas em si mesmo é frustrante. O que aparece sempre é um vazio. Por isso nos acompanham no presente as lembranças da convivência com os outros, porque isso, penso eu, ajuda a nos definir um pouco em meio ao turbilhão dos eventos, do existir. Fico pensando que as pessoas que encontro no trabalho não são a medida que eu gostaria de ter, por elas não fazerem parte de mim, são contingências agregadas aos nossos dias. São nossos amigos, com os quais sedimentamos conhecimento e afeto, que nos dão o nosso retrato mais fidedigno. As alegrias, as tristezas, as confidências, o falar à toa, as críticas e mágoas, tudo isso junto dão nossa dimensão. Quando estamos alijados desse amálgama de afetos, ficamos cegos, inseguros, apenas tateando a esmo uma realidade que apenas se esvai. Não fique só na sua solidão. Desse modo ainda nos completamos. Quando a possibilidade de encontrar nossos pedaços que ficaram espalhados de repente estiver dada, vamos nos reencontrar e restaurar nosso retrato, agora tão fragmentado. Pelo menos é no que confio. Força, meu camarada! Tatear no escuro e ficar perdido no mundo pode ser até terapêutico, pois é quando sentimos o que nos falta e nos jogamos com mais força para recolocar nossos pedaços de volta no lugar.

Gau Belchior disse...

Bela crônica, meu amigo!
Dei risada, me emocionei, me identifiquei!
Essa sua curiosidade por tantos assuntos, estimula a paixão pela leitura, enriquecendo o vocabulário e aprimorando o talento para escrever!
Admiro sua sensibilidade e senso de humor tão próprio que eu chamaria de "ricardiano"!
Parabéns! Orgulho de ser sua amiga há décadas! Avante!!!❤

Rosely disse...

Como não se reconhecer na sua crônica? Envelhecer é foda! Muitas vezes quero conversar sobre fatos que algumas pessoas nem sabem que aconteceram, e eu me pergunto: “como assim?”. Daí eu sinto como se eu tivesse nascido há dez mil anos atrás...E esta solidão involuntária agravou tudo, fica difícil a gente se reconhecer pois, como disse o Edu , é naqueles com quem trocamos afetos e conhecimentos que nos reconhecemos. Este tipo de morte em vida que a pandemia nos obrigou, se por um lado traz a consciência da finitude de tudo, por outro faz com que a gente queira viver mais. É muito Blade Runner: o que fazer com tudo que vivemos e aprendemos? Sem dividirmos tudo isso não vejo respostas. Enfim, tua crônica me lembra muito Woody Allen também (que eu amo). Sigamos na esperança de que nossos reencontros sejam em breve!

Antônio Lopes disse...

"
As vezes queria ser como o Zé, meu gato (animal de estimação q. fique claro) ou uma capivara daquelas que perambulam pelo parque Tietê, sem maiores indagações, sabe!"

Indra disse...

Não sei por que me veio à cabeça o livro Devaneios do Caminhante Solitário, de Jean Jacques Rousseau, que ele escreveu andando pelos bosques da França, solitário e pensativo, refletindo sobre a sua solidão. Nada comparado à paisagem pandêmica que se apresenta hoje nas ruas do centro de São Paulo, né? Acredito ser essa paisagem deteriorada que habita o mundo de uns tempos para cá, a causa da nossa mais difícil angústia e desolação. Eu fico pensando também nesse tormento que você vive...será uma opção válida? Não seria melhor aproveitar as oportunidades de fugir à espaços onde você pudesse conversar com essa solidão ao invés de ser atormantado por ela? Qual é a verdadeira intenção no ficar em casa só, se sentindo como se estivesse numa prisão? Eu tenho pensado muito nisso também, gostosa dessa condição de estar só com os meus pensamentos e um bom livro/filme. Eu também sinto essa vontade de compartilhar o que estou lendo ou assistindo ou ouvindo, com pessoas que tragam um input pertinente e relevante...Lendo Grande Sertão nesses dias e a cada página me sinto assim. Quantas frases, palavras, passagens lindas do livro que tem que compartilhar com você ou com os meus amigos dos Clubes de Leitura, amantes de literatura como eu. Talvez você não esteja procurando essa "interlocução" em outros lugares. Vamos ficando mais velhos e muitas vezes a nossa busca é sempre a mesma, sem nos atentarmos ao fato de que a tecnologia veio para nos salvar também. Talvez seja o momento certo para partir para viagens diferentes dos que estamos acostumados, mudar o estilo, a prosa, começar novos caminhos. "A solidão só é boa quando é assistida", você disse. A felicidade também. Incrível como esses dois momentos só são bons quando compartilhados. No mais, estou com saudade das nossas conversas sobre o nada e sobre o tudo!

Indra disse...

E o video, hein? Tenho pensado também sobre a morte...mais do que na vida...Se viesse a acabar a minha existência nessa Terra, eu iria feliz!

Ricardo Reis disse...

Ah,Indra eu queria ficar mais um bom tempo por aqui. rs,rs,rs... O ideal seria ter uma segunda chance e não cometer os mesmos erros... mas nada sabemos sobre a existência e muito pouco sobre a "realidade"
Se eu morresse agora queria que ficasse escrito no meu vidro de cinzas (com fundo falso para uma dose de conhaque hennessy e outra de William Lawson's):
"Porque existe alguma coisa ao invés de nada!?"