Hoje fiz uma coisa que não fazia há muuuito tempo: Tomar café cedinho na padaria lendo jornais de papel.
Uma das coisas diferentes e apaixonantes que me lembro de quando cheguei em São Paulo em 1980, era o frenesi da cidade com milhares de pessoas se acotovelando bem cedo nos trens sem portas e nos ônibus da CMTC com motoristas camaradas e padarias lotadas com garçons malabaristas e aquele acúmulo de gente nas bancas de jornais catando manchetes antes de fechar os guarda chuvas e entrar na “firma” batendo o cartão...
Eu era um desses, que tomava três conduções para chegar ao centro financeiro que na época era na Rua XV de novembro e amava esse ritual com uma sensação de pertencimento a um novo mundo que só existia em uma São Paulo vibrante que ainda era terra da garoa e as cidadezinhas que orbitavam Sampa, como Arujá ainda eram lugares caipiras e distantes.
Pois bem, hoje cedinho acordei fora de casa, saí de fininho para não acordar a anfitriã, e pra minha surpresa e alegria estava garoando e mesmo estando só de camiseta, curti a sensação e aí peguei dois jornais de papel (O globo e a Folha) na esquina onde não havia ninguém olhando manchetes e entrei na padaria.
Pedi um pingado e pão com manteiga e comecei a ler o jornal e fui inundado de nostalgia e alegria naquele exotismo de estar com o jornal novamente nas mãos enquanto todos os demais estavam de cabeça baixa nos celulares e tristonhos por não estarem em home office.
Chamo esse povo de “nostálgicos da pandemia”, que entristeceu muito a cidade, acelerou a virtualização da vida e solidificou o modo de vida lúgubre, depressivo, sem flertes e sem tesão por nada.
Mas voltando à padaria, eu adoro esse momento coletivo com esta forma de “socialização” não intrusiva e sem obrigações interativas onde estamos cercados de semelhantes, porém todos anônimos e que só existe em São Paulo.
A diferença agora é que não existem mais garçons malabaristas, nem a gritaria e o roncar dos motores dos ônibus -substituídos pelos Ubers. Já o frenesi do iniciar o dia na ‘firma”, e a vibração da cidade que já estava moribunda antes da pandemia, teve na covid, a pá de cal derradeira e agora todos queremos a monotonia do home office e a individualidade estéril de um carro de aplicativo.
Tudo agora é mais silencioso e sombrio com a vida online, menos sorrisos, menos olhos nos olhos, menos gentileza, e então a moça chega com meu café, o pão e começo a coluna da Miram Goldemberg comentado que estudos mostram que a gerações atuais transam 55% a menos que a de seus pais, e que as pessoas com mais de 50 não transam mais etc, etc, e atribuem toda essa desgraçeira à vida virtual, acesso gratuito a pornografia, bla, bla...
Viro a página e fico sabendo que os brasileiros passam 9 horas online todos os dias da vida. Faço as contas subtraindo horas de sono e sobra quase nada para a vida extra dispositivo, e penso se sou um desses!?
O café estava ótimo, o pão com manteiga uma delícia e ler no papel infinitamente mais prazeroso do que na janelinha minúscula do celular, mas lembro que o jornal de papel já tem seus dias contados porque “só dá prejuízo” segundo as empresas que já estão marcando data para a extinção.
A única coisa das antigas nas padarias que segue firme, é a Tevê ligada num telejornal matutino tentando prever o clima ao longo do dia e trazendo as notícias que supostamente interessam a todos.
As paredes da padaria são decoradas com uma foto gigante de um bonde numa rua que parece ser a Líbero Badaró, e outra do Anhangabaú com o “Buraco do Ademar” e dezenas de CMTCs camaradas circulando.
Então lembrei da minha terapeuta que me disse esta semana para aprender com o passado, mas para não ficar muito tempo lá, porque é um lugar que não existe mais.
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